PROCURADOR INVESTIGADO POR FALSIEFICACAO E ABUSO DE PODER
Advogados de António Mexia e Manso Neto apresentaram uma queixa-crime contra um magistrado do DCIAP. Acusam-no de mentir em dois despachos para evitar a aplicação de uma decisão do Supremo Tribunal que o impede de usar emails apreendidos em 2017. O mesmo procurador esteve à beira de ver o Conselho Superior do Ministério Público aplicar-lhe um processo disciplinar e um processo-crime por factos semelhantes nos inquéritos de Rui Pinto.
Aconflitualidade e o debate jurídicos nos processos-crime é comum entre advogados, Ministério Público
(MP) e juízes. Nos últimos anos, essas divergências estenderam-se ao interior da própria magistratura, com procuradores a participarem de juízes de instrução criminal (JIC) – e vice-versa. Mais raro é essa conflitualidade evoluir para a queixa-crime. Mas foi isso que aconteceu no processo EDP/CMEC, que investiga se terá havido favorecimento da EDP pelo Governo de José Sócrates na criação do regime dos Custos para Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC): dois dos advogados de António Mexia e João Manso Neto – Rui Costa Pereira e Inês Almeida Costa – apresentaram uma participação criminal contra o procurador Carlos Casimiro que, alegam, terá cometido os crimes de falsificação de documento, denegação de justiça, prevaricação e abuso de poder.
Em causa, de acordo com a queixa-crime a que a SÁBADO teve acesso, estão dois despachos recentes do magistrado que, de acordo com os advogados, refaz parte da história do processo através do recurso a “factos falsos” de forma a contornar um acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que proibiu o MP de utilizar emails apreendidos em 2017 sem a autorização de um juiz. O mesmo procurador, recentemente, esteve à beira de lhe ser instaurado um processo disciplinar e uma outra investigação criminal por factos semelhantes cometidos quando livrou o pirata informático Rui Pinto de vários processos. Esses factos acabaram por ser arquivados depois de a procuradora-geral da República, Lucília Gago, votar contra a instauração desses inquéritos.
No que respeita ao caso EDP, para
compreender o que está em causa é preciso recuar a 2 de junho de 2017, data em que Carlos Casimiro presidiu às buscas na sede da EDP e no Centro de Segurança Operacional (CSO) da empresa, que ficavam em locais distintos em Lisboa: o primeiro na Av. 24 de Julho e o segundo na R. Camilo Castelo Branco, junto ao Marquês de Pombal. Os mandados foram assinados pelo procurador a 24 de maio desse ano, determinando buscas e apreensões “sobre toda a documentação encontrada nos respetivos postos de trabalho e arquivos utilizados pelos visados [Mexia e Manso Neto] (…) incluindo toda a que se encontre em formato digital, ainda que se trate de documentos originados ou recebidos via correio eletrónico”. Se nos gabinetes de Mexia e Manso Neto na EDP a prova digital recolhida foi escassa, no CSO a situação foi diferente. De acordo com o auto de busca, a diligência começou às 16h30. Foi pedida uma pesquisa pelas palavras-chave determinadas pelo MP nos mandados ao correio eletrónico de António Mexia e Manso Neto entre 2004 e 2014, o que abarcava um total de 139 GB. Nessa altura, lê-se no mesmo auto, devido à “consequente morosidade na sua extração e gravação e ao adiantado da hora” foi dado um prazo de cinco dias à EDP para entregar os dados em causa. Eram 17h dessa sexta-feira quando a busca foi dada como terminada.
Depois de entregues, os 3.277 emails de Manso Neto selecionados pelo MP foram levados ao JIC para serem abertos e validados – o que aconteceu. A defesa pediu depois a anulação dos despachos de busca e a invalidade dessa prova por entender que só um juiz poderia ordenar a apreensão de correio eletrónico. De recurso em recurso, o caso chegou ao Supremo Tribunal de Justiça. Enquanto se aguardava uma decisão, Casimiro escreveu em vários despachos que ela teria “reflexos sobre a validade da apreensão de emails da EDP”.
A decisão do STJ chegou em outubro de 2023, através de um acórdão de fixação de jurisprudência dando razão aos representantes de Manso Neto. Decidiram os juízes: “Na fase de inquérito, compete ao juiz de instrução ordenar ou autorizar a apreensão de mensagens de correio eletrónico ou de outros registos de comunicações de natureza semelhante, independentemente de se encontrarem abertas (lidas) ou fechadas (não lidas), que se afigurem ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova.” A consequência seria a proibição de o MP usar os emails apreendidos como prova.
Após essa decisão, a 12 de dezembro de 2023, os defensores de António Mexia e Manso Neto requere
ADVOGADOS ACUSAM O MAGISTRADO DE RECORRER A “FACTOS FALSOS” PARA CONTORNAR UM ACÓRDÃO DO STJ
PROCURADOR DIZ QUE CUMPRIU A “LETRA E O ESPÍRITO DO ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA”
ram ao JIC do processo, através do MP, que aplicasse a decisão do Supremo. Sem resposta, os advogados dirigiram-se ao próprio juiz a 5 de janeiro deste ano, informando-o do pedido que tinham apresentado uma vez que “desconheciam” se o MP o tinha encaminhado.
Factos “falsos”
Foi então que, a 7 de fevereiro, Carlos Casimiro assinou um despacho onde, segundo a queixa-crime apresentada nesse mesmo dia, refaz a história das buscas e apreensões, usando “factos falsos”. Nesse documento, o magistrado escreve que só nas buscas à sede da EDP o MP soube que “poderiam existir documentos digitais – emails antigos que já haviam sido lidos e arquivados – num novo (outro) local” o que o levou a passar “novos mandados de busca e a deslocar-se de imediato a esse edifício da EDP no Marquês de Pombal” até então “desconhecido”. O objetivo era evitar a “ocultação ou destruição de prova” para apresentar ao juiz sem acesso por parte do MP que “não efetuou nenhuma busca ou pesquisa informática”. Acrescenta que os documentos estavam “arquivados num suporte e num formato ininteligível (obsoleto) e por isso foram os próprios serviços da EDP que os vieram a converter e selecionar como muito bem entenderam” sem “supervisão ou interferência do MP ou da PJ”.
O procurador escreve ainda que depois de receber a documentação “voluntariamente” da EDP a enviou ao JIC que a analisou na presença dos advogados. E conclui: “inexiste qualquer violação da garantia constitucional de inviolabilidade das comunicações arquivadas pela EDP quando foi a própria sua titular que as entregou voluntariamente decorridos 5 dias”. Como os dados foram validados pelo JIC, diz ainda que houve um “cumprimento integral da letra e do espírito do acórdão de fixação de jurisprudência”.
De acordo com a queixa-crime toda a argumentação do procurador é falsa. Citando vários documentos do processo EDP, os advogados escrevem que os mandatos