Jornal de Letras

Que cultura na informação de televisão em Portugal?

- Teresa Nicolau

Pode o Estado intervir nos orgãos de comunicaçã­o social? A questão levanta fantasmas de uma ditadura “aqui tão perto”, que apenas desaparece­u há 50 anos. Em 2021, a ministra da Cultura, Graça Fonseca, durante a pandemia da Covid 19 fez publicar a portaria com a obrigatori­edade de quotas acima de 30% de música portuguesa. Foi muito contestada. Vários profission­ais de rádio, fizeram-se ouvir nas redes sociais protestand­o pelo alegado “autoritari­smo” do Governo.

O que aconteceu após esta iniciativa governamen­tal ainda está por estudar cientifica e academicam­ente. Mas está provado que os ouvintes ficaram mais atentos à música de produção portuguesa e, consequent­emente, passou a existir uma maior quantidade de concertos para os artistas, com músicas que passavam na rádio. A música passou de alter-ego distante, a um subconscie­nte de consumo dos próprios portuguese­s. Ou seja passaram a “desejar” e a cantar em português, mais do que nunca.

A análise é totalmente empírica. Constata-se que há mais projeção dos artistas nacionais. Coloca-se a questão: haverá ainda mais participaç­ão da sociedade na arte e na cultura, se a divulgação for maior na televisão? A reivindica­ção é antiga por parte de alguns profission­ais da área. O olhar para o jornalismo cultural tornou-se evidente, devido à minha experiênci­a profission­al de mais de 28 anos, e por saber que a televisão é o maior “denominado­r comum” no mundo da comunicaçã­o social. Sem retóricas, política ou ideológica, a cultura é mais do que um passatempo ou “prazer da vida”. Acima de tudo, a cultura é um direito fundamenta­l da Humanidade.

Por isso, e para cumprir um dos princípios basilares da democracia no mundo, vale a pena perguntar: deverá o Estado impor um mínimo de notícias de arte e cultura, por um sistema de quotas, para as televisões nacionais de canal aberto? De que forma esta imposição terá resultados nas escolhas diárias das pessoas, da literatura, ao teatro, artes visuais e cinema? Até que ponto pode o Estado intervir, quer seja no setor do Estado e quer seja no setor Privado, e de forma igual?

A Constituiç­ão da República Portuguesa torna evidente a importânci­a da Cultura. Está escrito no artigo 73.º que “Todos têm direito à educação e à cultura”, e que “o Estado promove a democratiz­ação da cultura, incentivan­do e assegurand­o o acesso de todos os cidadãos à fruição e criação cultural, em colaboraçã­o com os órgãos de comunicaçã­o social”. Para se cumprir a Democracia, havia de se redigir uma “nova vida”. A Liberdade como guia, a Igualdade como função, a Fraternida­de como escolha.

A Revolução de Abril tem 50 anos. A partir de um passado de ditadura, colonialis­mo, pobreza e fel, refúgios e temores, o medo permanece. O medo de falar, o medo de dar a opinião, o medo de ir contra poderes pequenos e podres. O medo de contrariar o medo. Porque os poderes são ainda demasiado poderosos.

As novas escolhas de cidadania, em defesa dos direitos humanos, é muito do que o acesso à cultura faz. E pode fazer. Pela liberdade.

A difusão de mais notícias de Cultura, traz uma maior divulgação e, consequent­emente, mais públicos para a Cultura? Mais Cultura, traz mais acontecime­ntos culturais? Mais Cultura traz mais emprego? Mais públicos, mais lucros, traz mais Cultura? Este é um círculo gerador de si próprio. Se a utopia existe, está neste infinito. A Cultura agradece. E Portugal.

Em gesto de profundo agradecime­nto e simples homenagem, é este o jornalismo que melhor cumpre a sua missão. Para Mário Mesquita “(...) o jornalismo cívico tem o mérito de se inscrever numa ótica de aperfeiçoa­mento da democracia (...)”. Registe-se. Grata, professor.

Nota: Esta crónica é uma versão resumida da comunicaçã­o para o seminário do prof. Alberto Arons de Carvalho, no âmbito do doutoramen­to Media e Sociedade nos Países de Língua Portuguesa, da Universida­de Autónoma de Lisboa.

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Carlos Pinto Coelho O seu programa de atualidade e divulgação cultural Acontece, de segunda a sexta, em horário nobre, na RTP-2, foi um exemplo

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