Textos, pretextos e contextos
É uma das mais destacadas figuras da cultura portuguesa. E com uma assinalável multiplicidade de talentos, interesses e trabalhos, ao longo dos seus 88 anos de uma vida sempre ativa. Numa síntese telegráfica: poeta, romancista, ensaísta, cronista, investigador, cidadão interveniente, em particular no domínio da Cultura (integrou o governo de Maria de Lourdes Pintasilgo); licenciado em História e em Letras também doutorado, prof. no King’s College, de Londres, titular da cátedra Camões e vários anos diretos do departamento de Estudos Portugueses e Brasileiros (hoje Emeritus Prof. of Portuguese), ensinou ainda em universidades dos EUA, do Brasil e de França. E um etc.. etc., que inclui, claro, o colaborador, e muitos anos cronista, do JL. Que nas Correntes lança (quinta, 22, às 17, na sala de atos do Cine-Teatro Almeida Garrett) o seu primeiro livro de crónicas, Pretextos (Caminho. 512 pp., 20 euros), sobre o qual o ouvimos.
Jornal de Letras: Fazemos de conta que não sabemos e perguntamos: que livro é este?
Helder Macedo: Bom, é um livro fácil de caracterizar como um conjunto de crónicas e de textos afins que fui escrevendo aqui, no JL, de 2006 a 2023. Acrescentado só um comentário sobre a poesia de Sophia e a pintura de Menez publicado num catálogo da Galeria Ratton. Deu para mais de 500 páginas. Chamei-lhe “Pretextos”, como às crónicas.
E porquê esse título?
Porque de algum modo sugere o meu propósito ao escrever esses textos: ao falar de uma coisa estava também a falar de outras. Como aliás sempre acontece no que tenho escrito: poesia, ficção, ensaios. Há sempre uma relação explícita ou implícita entre os meus textos e os contextos em que se inserem. Ouvi em tempos um eminente filósofo fazer a pergunta: “Será que uma palavra fora de contexto tem algum significado?” A minha resposta é que não, não tem. Portanto, estas crónicas também poderiam ser designadas como “contextos”. Julgo que o leitor que as leia, reunidas neste livro, encontrará também nelas cerca de 17 anos de contextos. E esses são sempre, ou quase sempre, os portugueses.
Embora as tenha escrito em Londres…
Escrevi-as em Londres, onde vivo há mais de 60 anos, mas para leitores portugueses, como quase tudo que tenho escrito. Numa espécie de “por dentro” visto “de fora”. Que às vezes é o melhor modo de se estar “dentro”. E assim fui partilhando alguns interesses meus, tentando torná-los de todos nós: literatura, política, teatro, ópera, artes visuais, futebol… Ah, e também homenagens a quem julgo que as merece e críticas, por vezes brutais, a políticos que julgo tê-las merecido. É um livro de intervenção.
Quando, e como, começou a escrever (também) crónicas?
O meu passado de cronista é já antigo, remonta ao início da década de 60, quando tive de sair de Portugal por razões políticas e me refugiei na Inglaterra. Durante alguns anos sobrevivi (algo precariamente…) à custa de crónicas radiofónicas na BBC. Para os serviços portugueses, que então ainda existiam, e para os serviços brasileiros, que continuaram a existir mais uns tempos. Já então eram “pretextos”. Podia falar da situação política em Portugal (repressão, guerras coloniais, discriminações sociais) a pretexto dos meus “Postais de Londres”. Depois, em 1971, iniciei a minha carreira docente no King’s College, e só voltei às crónicas no fim dos anos 90. Primeiro no Público e depois no JL.
Na sua valiosa obra ensaística Camões tem uma presença marcante. Quando se comemoram os 500 anos do seu nascimento, vai publicar alguma coisa que os assinale?
Na verdade tenho vários estudos sobre Camões. Por vezes remando contra a maré dos prevalecentes estereótipos académicos e analisando aspetos da sua obra que têm sido negligenciados. E, de facto, o meu livro Camões e outros contemporâneos vai ser reeditado no contexto das celebrações dos 500 anos do seu nascimento. Além disso, também aceitei coordenar, mas só se conjuntamente com Margarida Calafate Ribeiro, um número da revista Camões, do Instituto Camões. Os estudos fundadores da Margarida sobre o que designou a “pós-memória” dos impérios coloniais europeus permitem trazer a obra de Camões para a nossa contemporaneidade. O volume vai incluir colaborações de várias perspetivas atuais: África, o Oriente, o Brasil, o feminismo, as artes visuais, a música…
Vai sair quando? E mais alguma reedição?
O Camões esperamos que possa estar pronto em julho e que seja uma boa contribuição para as celebrações. Para uma “festa” camoniana que transcenda os habituais constrangimentos académicos e institucionais. Por sua vez o meu romance Pedro e Paula também vai ser reeditado proximamente, ‘à boleia’ das celebrações dos 50 anos do 25 de Abril. Relido agora, talvez seja menos uma celebração da revolução do que uma crítica ao que fizeram com ela. Tornou-se num livro menos sobre o que foi o 25 de Abril do que sobre o que poderia ter sido. Pois é, sempre fui aprendendo alguma coisa com Camões…
Escrevi-as [as crónicas] em Londres, onde vivo há mais de 60 anos, mas para leitores portugueses, como quase tudo que tenho escrito. Numa espécie de “por dentro” visto “de fora”. Que às vezes é o melhor modo de se estar “dentro”. É um livro de intervenção