Poesia para médicos
João Luís Barreto Guimarães
Desde há três anos que o Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar inclui no seu currículo a disciplina de Poesia. O seu regente é o poeta e médico João Luís Barreto Guimarães e as suas aulas foram recentemente notícia no Guardian. O JL quis saber mais.
JL: De onde vem esta ideia de integrar poesia num curso de Medicina?
João Luís Barreto Guimarães: Fui aluno do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, já lá tinha dado aulas. Conheço o corpo de professores da casa. Há quatro ou cinco anos, fui convidado para dar uma aula de poesia na disciplina de História da Medicina. Há três anos, quando resolveram fazer uma reformulação do currículo introduzindo disciplinas de cariz humanista, fizeram-me o desafio de criar uma disciplina de Poesia para estudantes de Medicina. Paralelamente começou também uma disciplina de música.
Faz falta poesia aos médicos em Portugal?
Não sei se faz falta poesia, ou um contacto com áreas artísticas ou humanísticas, mas sei falar de qual é o meu objetivo enquanto professor auxiliar convidado desta disciplina em concreto. Pode estabelecer-se um paralelo entre o momento em que um poeta se encontra a escrever, com o momento do início da colheita de uma história clínica de um doente, a anamnese. Uma e outra coisa podem apresentar-se de início de forma codificada e tem que se descobrir a maneira de a descodificar. Nas aulas os alunos leem, conversam e discutem sobre poemas que são verdadeiras janelas para alma. Isso pode ajudá-los a desenvolver empatia com o próximo.
A seleção é feita a pensar em futuros médicos?
Sim. Os poemas debruçam-se maioritariamente sobre ocasiões em que os seus autores se viram em situação de pacientes. Há poemas sobre o nascimento, a morte, doenças específicas, como o Alzheimer, o luto, questões anatómicas, a espera de exames ou de consultas, receber uma boa ou uma má notícia, etc…
Tem conhecimento de alguma outra universidade de Medicina com uma cadeira semelhante?
Exatamente de poesia não conheço, mas sei que em Barcelona abriram recentemente uma disciplina de Literatura e que há outras que o fazem, mas julgo que mais na base de transmitir aos alunos quem foram os escritores médicos. Mas não tanto este lado mais específico em que o poema mimetiza ou antecipa aquela que pode ser a voz de alguém que fala com o médico. Claro que, em 28 horas, aproveito para lhes dar uma perspetiva mais ampla da poesia contemporânea e do século passado portuguesa e estrangeira.
Há uma longa tradição de médicos escritores. Nota que há uma especial apetência dos seus alunos sobre a poesia?
Um dos trabalhos de casa do curso é pedir-lhes que escrevam um poema. Depois os poemas são apresentados na aula de forma anónima e eles votam nos melhores. Num conjunto de 30 alunos, identificam-se quatro ou cinco em que se identifica uma qualidade e uma voz. Mas não sei se as outras profissões não terão uma predisposição semelhante para a escrita. Nunca se fez essa avaliação.