Através de palavras concisas, Salman Rushdie ajuda-nos a lidar com os erros cometidos pela morte.
tada linguagem televisiva pode dominar (e, de facto, domina) as trocas informativas em que vivemos, mas revela-se irremediavelmente escasso para lidar com a complexidade da experiência humana. E há também em tudo isto uma tragédia de comunicação que o escritor não sabe como resolver (e o leitor ainda menos): como lidar com o próprio autor do atentado?
Escreve Rushdie, designando-o por “A.”: “Como hei de abordá-lo, o detentor da faca? Circundo-o na minha mente, penso em maneiras de iniciar a conversa.” E também: “Não quero ser demasiado amistoso. Não me sinto amistoso. Mas também não quero ser demasiado hostil. Quero abri-lo, se puder. Como um encontro real é improvável – digamos impossível –, tenho de imaginar a maneira de entrar na sua cabeça. Tenho de tentar construí-lo, torná-lo real. Não sei se conseguirei.”
Ao longo de quarenta páginas, Rushdie arrisca mesmo um exercício teatral em que redige esse diálogo “improvável/impossível” com o homem que tentou matá-lo. Quase no fim, diz-lhe: “Começo a perceber. Você quer ser um servo. Andou à procura de um amo ou de uma ideia que fosse maior que você e perante a qual pudesse curvar-se. Não queria ser livre. Queria submeter-se.” Que acontece, então? O agente da morte responde: “Ainda não percebeu. Só a submissão conduz à liberdade. Essa é que é a porra da questão.”
Subitamente, o nosso tão fútil idealismo coletivo encontra a questão que sempre lá esteve, mas que teimamos em iludir ou menosprezar: a palavra “liberdade” não tem uma significação unívoca, nem é uma moeda de troca universal.