A Organização do Tratado do Atlântico Norte aos 75 anos: realidades e desafios
AOTAN fez, em abril último, 75 anos, fruto da assinatura do Tratado de Washington, em 4 de abril de 1949, pelos Estados-membros fundadores, 12 países nessa altura, onde se incluía Portugal. Esta Aliança, de caráter exclusivamente defensivo, resultou da necessidade de se fazer face à ameaça causada pelo Exército soviético sobre a soberania dos países da Europa Ocidental, muitos deles em condições difíceis, fruto da guerra que assolou o continente (e o mundo) durante cerca de seis anos. Embora a União Soviética tenha sofrido bastante com a agressão nazi ao seu território, construiu um poderoso instrumento militar, que manteve mesmo após o fim das hostilidades. Os países europeus, com exceção do Reino Unido, não possuíam instrumentos militares capazes de se oporem a uma possível expansão para oeste das forças soviéticas, que ocuparam os países da Europa Central e Oriental, assim como a Alemanha Oriental. Essa garantia só poderia ser dada pelos Estados Unidos, que mantiveram forças em território europeu durante todo o período da Guerra Fria, que terminou entre 1989 e 1991 com a queda do Muro de Berlim, o colapso da União Soviética e o fim do Pacto de Varsóvia. Foi uma vitória fruto do efeito da dissuasão e do colapso económico do regime comunista, resultante dos efeitos da estratégia de contenção, gizada por George Kennan, logo após o final da 2.ª Guerra Mundial.
Salvaguardadas as devidas diferenças com o caráter ideológico da Guerra Fria, estamos em risco de ter uma situação com muitas semelhanças, nomeadamente uma Rússia (de Putin) com um poderoso instrumento militar convencional e nuclear, que já não é comunista, mas que não perdeu o espirito imperialista e quer recuperar a zona de influência da ex-União Soviética, anulando a soberania desses países, e que, em conjugação com outras autocracias, quer alterar a ordem internacional baseada em regras e no direito internacional, nomeadamente os preceitos da Carta das Nações Unidas.
Hoje não temos dúvidas de que o que está em jogo não é só uma redistribuição do poder em termos globais, para uma ordem mais multipolar, mas uma subversão completa do sistema de regras e direitos estabelecidos após o final da 2.ª Guerra Mundial. Esta alteração colocará em risco a estabilidade do sistema internacional, aumentando a conflitualidade e diminuindo a soberania dos mais fracos. Um risco grave para as democracias, pois estas têm sido o único obstáculo, em conjugação com outros países do chamado “Sul Global” (designação em uso mas que não expressa corretamente a geografia, pois muitos destes países estão a norte do Equador), a este movimento revisionista que engloba a Rússia, o Irão, a Coreia do Norte e, ultimamente, a China.
Uma vitória russa na Ucrânia seria o consolidar de uma ameaça ao espaço transatlântico num prazo de três a cinco anos, segundo vários analistas. Seria um mau exemplo para outras situações no globo, nomeadamente com a influência do Irão no Médio Oriente, com a situação crítica da península da Coreia e, de um modo geral, em todo o Indo-Pacífico. Mas também em África e na América Latina, com as políticas externas agressivas deste núcleo de autocracias que colocarão, a curto prazo, em risco a soberania e segurança de muitos países dessas regiões. Urge, assim, construir a solução para uma “não vitória” estratégica de Putin na Ucrânia, pois essa vitória seria o acelerador definitivo para o colapso da ordem internacional atual.
Na próxima cimeira estão muitos assuntos em cima da mesa para a discussão do futuro da Aliança Atlântica e do seu papel, fundamental, na defesa da ordem democrática e liberal, seja nos aspetos políticos, seja nos aspetos de natureza estratégica da defesa e segurança do sistema democrático mundial. Essas garantias de segurança deverão ser extensíveis a todas as democracias das parcerias, num mecanismo inclusivo de todos os que não se revejam numa ordem internacional onde prevaleça a força sobre as regras do sistema das Nações Unidas e do direito internacional.
É muito provável que sejamos confrontados com a existência, em simultâneo, destas duas ordens. Isto colocará desafios nas periferias e zonas de fronteira geopolítica, podendo emergir conflitos do tipo da Ucrânia, quando alguns países não quiserem aderir, ou submeter-se, às zonas de influência das autocracias, vendo reduzida a sua soberania. Tudo isto num modelo muito semelhante à anterior Guerra Fria, mas nesta com maior possibilidade de confronto direto entre atores de topo do sistema internacional. A existência das duas ordens irá bloquear o sistema das Nações Unidas, o que já vai sendo uma realidade.
E essa nova conflitualidade exige dos aliados instrumentos militares interoperáveis e tecnologicamente avançados, capazes de dissuadir aventuras de terceiros e, caso falhe a dissuasão, vencerem estrategicamente os conflitos.
O fator nuclear irá estar muito mais presente, pelo que a estratégia de dissuasão tem de ser apurada, assim como a comunicação estratégica, algo que não tem corrido muito bem do lado da NATO e dos aliados durante o conflito da Ucrânia.
E também uma melhor articulação e integração das indústrias de defesa de aliados e parceiros que contribua não só para a eficácia dos instrumentos militares, mas também para uma economia de defesa mais integrada e robusta.
Esta simeira dos 75 anos terá de ser mais que uma simples comemoração de aniversário ou uma prova de vida, devendo apontar soluções para os exigentes problemas estratégicos que temos pela frente, com as condições para a vitória estratégica da Ucrânia, naturalmente, na primeira linha.
Esta cimeira dos 75 anos terá de ser mais que uma simples comemoração de aniversário ou uma prova de vida, devendo apontar soluções para os exigentes problemas estratégicos que temos pela frente.