Melissa Leo “Os melhores atores são prejudicados quando são demasiado bons”
Uma ilustre fã do FEST. Melissa Leo, atriz americana duas vezes nomeada ao Óscar e vencedora do mesmo por The Fighter - Último Round. No dia em que chegou a Espinho falou com o DN sobre o seu fascínio por um festival que visita sempre que pode. Hoje tem uma masterclasse sobre abordagens inovadoras para criar personagens.
Qual o seu fascínio por este festival que visita pela quarta vez?
Gosto sempre de voltar! Espinho é um local calmo e simples e há algo aqui que me diz muito. Não sei bem porquê... A primeira vez vim porque não conhecia Portugal e fiquei curiosa.Vim e achei tudo isto muito querido. Senti que Espinho cresceu muito desde a minha primeira vez aqui. E foi um crescimento rápido! Antes sentia-se que era uma terra sem dinheiro mas agora vejo novas lojas. Isso deixa-me entusiasmada! Há um movimento novo, vejo mais gente na rua. Creio que o fundador deste festival, o Filipe Pereira e os seus camaradas, queriam também que o FEST ajudasse a cidade. Até fico feliz de ainda há pouco ter posto dinheiro aqui quando entrei numa loja para comprar protetor solar. Nesta edição do FEST quero passar algum tempo com uma jovem realizadora alemã que me convidou para um filme a ser feito em 2026. Só para você ver, conheci-a aqui há uns seis anos quando ela era ainda uma estudante! Sabe que mais, vou a seguir para a Roménia para estar com uma cineasta que vai fazer um filme comigo a seguir. E, claro, conheci-a aqui também. Para mim, não contam os nomes, mas sim as pessoas. Estas realizadoras não são conhecidas mas vão sê-lo! Não tenho dúvidas.
Diria que o FEST é um festival para criar sementes?
Exato. É isso mesmo! Eu identifico-me com esse espírito porque tive dificuldades quando fui para Hollywood, em especial porque sou de Nova Iorque. Lembro-me de ser arrastada para um papel de uma mulher 20 anos mais velha e acharem que ninguém se iria importar. Refiro-me a The Fighter que me deu uma estatueta toda finória. Mas agora é muito difícil para mim arranjar trabalho – puseram-me num pequeno buraco, do tipo: “Ela quer fazer de velhinha má.” Logo eu que não sou uma velhota cruel... Eu só na semana passada é que percebi que agora sou mesmo velha. E sei lidar com isso.
Hollywood e as suas caixas.
Metem-nos em caixas, sim!! Esses dois papéis nos filmes das pessoas que cá conheci são mesmo muito bons e complicados e isso deixa-me feliz quanto ao meu futuro. Em Hollywood olham para mim agora e só pensam nos números que os meus últimos filmes fizeram. Se não fiz um filme que faturou pelo menos 100 milhões nem querem falar comigo. Tenho a teoria que os melhores atores são prejudicados quando são demasiado bons. Os poderosos de Hollywood querem ser eles a mandar em tudo e a ter os louros por cada decisão. Esquecem-se que o talento é uma coisa individual e que o cinema é uma arte coletiva. Não conta quem teve a ideia porque a ideia só vale quando é feita por todos, ao mesmo tempo. E isso é tão fantástico! E não é surreal depois conseguir estar nos blockbusters Equalizer? Claro que esses são filmes do sistema mas para mim é a oportunidade de filmar com um dos grandes atores da América, o Denzel Washington, e, claro, um dos maiores realizadores americanos, o Antoine Fuqua! Sinto que o Antoine não tem o crédito que merece. Ele consegue um equilíbrio profundo entre a ação e o absurdo. O que para mim é mais complicado é fazer séries de TV. Aí o trabalho é realmente duro. Às vezes até fico espantada porque me convidam para certos papéis que não são adequados para mim... Tudo bem, é trabalho. Temos todos de fazer certos trabalhos para sobreviver.
Nestas masterclasses que faz cá em Espinho sobre o trabalho de ator sente que é preciso aquela coisa da aptidão em partilhar?
Não sou professora. Digo sempre que é impossível ensinar um ator. Uma pessoa ou nasce para isto ou não. Podemos aprender certas coisas mas não é possível alguém tornar-se ator. O que faço essencialmente é oferecer a minha experiência. Por exemplo, falo de situações... Como representar uma mulher a dar à luz? Sinto que nos filmes vejo as atrizes a gritar e acho que não é por aí. Acaba por ser sempre esse cliché da dor e nunca se explora a vertente de ser sobre dar vida a um outro ser humano.