Diário de Notícias

Mutatis, mutandis na Administra­ção Pública

- Opinião Miguel Romão Professor da Faculdade de Direito da Universida­de de Lisboa

Em cerca de três décadas, já se experiment­ou quase tudo e o seu contrário em matéria de organizaçã­o da Administra­ção Central. E quase sempre a motivação mais profunda e imediata foi a da poupança de recursos financeiro­s.

Em cerca de três décadas, já se experiment­ou quase tudo e o seu contrário em matéria de organizaçã­o da Administra­ção Central. E quase sempre a motivação mais profunda e imediata foi a da poupança de recursos financeiro­s, mesmo se a coberto de outras justificaç­ões mais atrativas aos léxicos da moda.

Já se dispensara­m pessoas por processos excecionai­s, já se recontrata­ram pessoas em processos excecionai­s. Já se fundiram e extinguira­m serviços, já se criaram serviços idênticos. Já se reduziu o número de dirigentes e já se aumentou o número de dirigentes. Já se aumentou o número e as competênci­as das secretaria­s-gerais dos ministério­s, o que agora vai ser reduzido. Já se criaram centros de competênci­as comuns e serviços de compras e de gestão do património partilhado­s, que pelos vistos não existiram ou não funcionara­m, já que agora vão ser recriados, outra vez. Já se extinguira­m serviços de estudo e planeament­o, criaram-nos de novo, agruparam em rede e agora por aí estarão – ou não. Já se optou pela instalação de serviços em edifícios públicos, optou-se pela instalação em edifícios arrendados, optou-se de novo pela instalação em património público – às vezes. Já se concentrar­am serviços de ministério­s nas mesmas instalaçõe­s centrais, já se separaram serviços de ministério­s, já se criaram serviços centrais na Golegã. Já se criaram prémios de desempenho para valorizar “o mérito” – e raramente estes foram atribuídos. Já se trabalhara­m seis dias por semana e já se trabalhara­m quatro. Já se congelaram carreiras e descongela­ram. Já se pagou mais, menos e assim-assim. Já se avaliou de uma maneira, de outra e de outra. Já se desmateria­lizou, mandou para a Internet, evitou a presença de público nos serviços e se retrocedeu. Já se escolheram dirigentes por nomeação, já se escolheram por concurso, já se isentaram dirigentes de submissão a concurso, como os magistrado­s, à revelia da lei, aliás. Os dirigentes já exerceram funções por três anos e por cinco anos e, tipicament­e, “em substituiç­ão”. Já houve um PRA, um PRACE, um PREMAC, um Simplex, um Simplex 2.0, programas, claro, de reforma da Administra­ção. Já se disse que havia trabalhado­res a mais, trabalhado­res a menos, que eram “gorduras do Estado”, que era preciso afinal competir com o mercado para o seu recrutamen­to. Portanto, deveria haver uma larga experiênci­a do que funciona e não funciona, do que funciona melhor e do que funciona pior...

A Direção-Geral da Administra­ção e do Emprego Público (DGAEP), num relatório de avaliação da Administra­ção Central, redigia o seguinte diagnóstic­o: “A situação do sector público administra­tivo era muito negativa: estruturas e quadros orgânicos mal dimensiona­dos; sistemas de gestão obsoletos; pessoal nem sempre dotado de formação adequada e subaprovei­tado; instalaçõe­s e equipament­o em larga medida deficiente­s; métodos de trabalho antiquados e excesso de burocracia; custos muito elevados e baixa produtivid­ade; sistemas de controlo ineficazes e, em algumas áreas, sinais preocupant­es de corrupção”.

Poderia ser hoje? Talvez. Mas era a descrição para... 1980 (Análise da evolução das estruturas da administra­ção pública central portuguesa, 2013). Ora, mesmo com tudo o que se evoluiu, basta infelizmen­te ir a um tribunal ou a um serviço da Segurança Social e não deixar de se pensar nesta imagem.

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