Mutatis, mutandis na Administração Pública
Em cerca de três décadas, já se experimentou quase tudo e o seu contrário em matéria de organização da Administração Central. E quase sempre a motivação mais profunda e imediata foi a da poupança de recursos financeiros.
Em cerca de três décadas, já se experimentou quase tudo e o seu contrário em matéria de organização da Administração Central. E quase sempre a motivação mais profunda e imediata foi a da poupança de recursos financeiros, mesmo se a coberto de outras justificações mais atrativas aos léxicos da moda.
Já se dispensaram pessoas por processos excecionais, já se recontrataram pessoas em processos excecionais. Já se fundiram e extinguiram serviços, já se criaram serviços idênticos. Já se reduziu o número de dirigentes e já se aumentou o número de dirigentes. Já se aumentou o número e as competências das secretarias-gerais dos ministérios, o que agora vai ser reduzido. Já se criaram centros de competências comuns e serviços de compras e de gestão do património partilhados, que pelos vistos não existiram ou não funcionaram, já que agora vão ser recriados, outra vez. Já se extinguiram serviços de estudo e planeamento, criaram-nos de novo, agruparam em rede e agora por aí estarão – ou não. Já se optou pela instalação de serviços em edifícios públicos, optou-se pela instalação em edifícios arrendados, optou-se de novo pela instalação em património público – às vezes. Já se concentraram serviços de ministérios nas mesmas instalações centrais, já se separaram serviços de ministérios, já se criaram serviços centrais na Golegã. Já se criaram prémios de desempenho para valorizar “o mérito” – e raramente estes foram atribuídos. Já se trabalharam seis dias por semana e já se trabalharam quatro. Já se congelaram carreiras e descongelaram. Já se pagou mais, menos e assim-assim. Já se avaliou de uma maneira, de outra e de outra. Já se desmaterializou, mandou para a Internet, evitou a presença de público nos serviços e se retrocedeu. Já se escolheram dirigentes por nomeação, já se escolheram por concurso, já se isentaram dirigentes de submissão a concurso, como os magistrados, à revelia da lei, aliás. Os dirigentes já exerceram funções por três anos e por cinco anos e, tipicamente, “em substituição”. Já houve um PRA, um PRACE, um PREMAC, um Simplex, um Simplex 2.0, programas, claro, de reforma da Administração. Já se disse que havia trabalhadores a mais, trabalhadores a menos, que eram “gorduras do Estado”, que era preciso afinal competir com o mercado para o seu recrutamento. Portanto, deveria haver uma larga experiência do que funciona e não funciona, do que funciona melhor e do que funciona pior...
A Direção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP), num relatório de avaliação da Administração Central, redigia o seguinte diagnóstico: “A situação do sector público administrativo era muito negativa: estruturas e quadros orgânicos mal dimensionados; sistemas de gestão obsoletos; pessoal nem sempre dotado de formação adequada e subaproveitado; instalações e equipamento em larga medida deficientes; métodos de trabalho antiquados e excesso de burocracia; custos muito elevados e baixa produtividade; sistemas de controlo ineficazes e, em algumas áreas, sinais preocupantes de corrupção”.
Poderia ser hoje? Talvez. Mas era a descrição para... 1980 (Análise da evolução das estruturas da administração pública central portuguesa, 2013). Ora, mesmo com tudo o que se evoluiu, basta infelizmente ir a um tribunal ou a um serviço da Segurança Social e não deixar de se pensar nesta imagem.