Correio da Manha

FIGOS E MORANGOS

- POR FRANCISCO JOSÉ VIEGAS

Nunca tinha comido morangos, deliciosam­ente maduros, com limão e malagueta. Morangos, não daqueles de calibre desproporc­ionado, engordado com água e que temos de lavar minuciosam­ente – mas maneirinho, de tamanho de antigament­e, de pele suave e não de barba de três dias. Eram assim os morangos da minha infância e não há como esses, de dois a três centímetro­s de altura, não mais, que se desfazem na boca e falam do sabor do morango. Lamento, mas hoje em dia não é fácil reconhecer esse sabor – há ocasiões em que tenho saudades dos morangos-silvestres, muito vermelhusc­os, das margens do Tua (recentemen­te vi-os na serra algarvia), mas o morango propriamen­te dito, esse, o melhor é cultivá-lo. Como não podemos, é preciso investigar e encontrar um fornecedor capaz. Garanto que uma taça de bons morangos vale por quilos de imitações.

Portanto, nunca tinha comido morangos com um nadinha de sumo e raspa de limão – e uma poeirinha de malagueta fresca. Doce e maduro, o morango não pedia mais açúcar; pedia, languidame­nte, para ser comido. Um dia não são dias.

Sensação semelhante toma conta de mim ao ver figos – o leitor lembra-se logo dos figos da sua vida: verdeais ou negros, pingo de mel, grandes e doces, mesmo os lampos, que satisfazem a primeira curiosidad­e do ano. Como não sou botânico e a minha curiosidad­e tem limites, escolho na banca (na praça ou na mercearia) figos com pequenas falhas, fissuras, uma pele que se desfaz algures – são esses que hão de comover-me mais e lembrar-me a pura poesia que existe na expressão “fruto maduro”, ou seja, um fruto completo, com os açúcares a explodir quando se abre a casca ou se lhes tira a pele. O meu avô comia-os como merenda, quando chegava a casa ao fim da tarde, de uma de duas figueiras grandiosas que havia no pátio de casa. Era um cerimonial. Colher uma mão cheia de figos, lavá-los no tanque em água corrente, puxar da navalhinha de Palaçoulo, Miranda – e de um pouco de pão. Depois de merenda tão frugal, acendia um ‘Três Vintes’ e repousava como um justo. Pão com figos: essa mistura é ainda para mim inesquecív­el, embora não a pratique. Muito simplesmen­te, lavo-os com cuidado (às vezes, deixo-os de molho uns minutos antes de os passar por água corrente – corto-lhes o pé e como-os com a pele. Há quem se horrorize, mas é a vida (também há quem retire a pele às uvas, uma a uma, e lhes tire as grainhas antes de trincá-las, pensando que podem entupir o esófago). Não podemos ser ditadores: se a pele está danificada, tira-se a pele; se a pele se apresenta condigname­nte, come-se com a pele. Mas a doçura do figo, essa, bem como aquela constelaçã­o de sementinha­s estaladiça­s e vagamente doces, pertencem ao dicionário do paraíso. E devo dizer-vos uma coisa: nunca tinha comido figos pretos com lâminas de queijo salgadinho e picante da Beira Baixa. Mas voltarei

a fazê-lo.

PÃO COM FIGOS:

ESSA MISTURA É PARA MIM INESQUECÍV­EL

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BOA ONDA

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