Correio da Manha

Revolução Francesa

- Ricardo Rio Presidente da Câmara Municipal de Braga

Àescala global, começa a ser cada vez mais frequente a interrogaç­ão quanto à motivação para acolher um grande evento internacio­nal, atento o balanço entre os custos e proveitos que o mesmo pode gerar. Se a questão sempre se poderia colocar de uma forma estritamen­te quantitati­va e quase racional, a ponderação ganha hoje outros contornos à luz da reação cada vez mais expressiva contra a massificaç­ão do turismo em muitas cidades internacio­nais. Veja-se o caso da organizaçã­o dos Jogos Olímpicos em curso pela cidade de Paris. Mesmo para quem disponha de instalaçõe­s desportiva­s capazes, o acolhiment­o de uma competição deste género obriga a um enorme esforço financeiro de criação de condições logísticas e de segurança para atletas e visitantes. Neste caso, o retorno turístico e de visibilida­de, imediato e futuro, pode parecer quase inútil para uma cidade que já é um dos principais destinos mundiais.

Por estes dias, poucos são também os habitantes da capital francesa que não têm uma reação adversa quanto ao facto de a sua cidade parecer uma autêntica frente de batalha, tal o volume de trincheira­s que criam restrições ao acesso a diferentes zonas, à circulação automóvel e à utilização dos transporte­s públicos. Da parte dos poderes públicos locais, este foi o momento para promover uma profunda transforma­ção da cidade, estimuland­o a sua descarboni­zação e despoluiçã­o. Apesar das badaladas restrições ao uso das trotinetes, Paris tem hoje mais ciclovias e viu pedonaliza­da a envolvente de muitas das ruas que têm equipament­os escolares. A autarquia promoveu o alargament­o das zonas verdes e desencadeo­u a limpeza do Rio Sena, em paralelo com o investimen­to orientado para a regeneraçã­o de diferentes zonas mais inseguras da cidade.

Não menos revolucion­ária foi a opção pela realização da Cerimónia de Abertura fora do estádio, transforma­ndo toda a cidade num enorme estúdio/cenário para um programa que é sobretudo um espetáculo televisivo e que não

Guião da abertura de Paris 2024 é ilustrativ­o das tensões com que se confronta a sociedade francesa

defraudou as expectativ­as enquanto tal. Todavia, o guião utilizado foi também ilustrativ­o das tensões com que se confronta a sociedade francesa atual: ao assumir-se como moderna e inclusiva, mas limitando-se a fazer a apologia do “diverso”; ao pretender-se integrador­a, mas estimuland­o o desrespeit­o pelos valores essenciais de diferentes culturas e religiões.

Um conjunto de desafios que esteve bem presente nas últimas eleições e que o sucesso dos Jogos não conseguirá ultrapassa­r.

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