Revolução Francesa
Àescala global, começa a ser cada vez mais frequente a interrogação quanto à motivação para acolher um grande evento internacional, atento o balanço entre os custos e proveitos que o mesmo pode gerar. Se a questão sempre se poderia colocar de uma forma estritamente quantitativa e quase racional, a ponderação ganha hoje outros contornos à luz da reação cada vez mais expressiva contra a massificação do turismo em muitas cidades internacionais. Veja-se o caso da organização dos Jogos Olímpicos em curso pela cidade de Paris. Mesmo para quem disponha de instalações desportivas capazes, o acolhimento de uma competição deste género obriga a um enorme esforço financeiro de criação de condições logísticas e de segurança para atletas e visitantes. Neste caso, o retorno turístico e de visibilidade, imediato e futuro, pode parecer quase inútil para uma cidade que já é um dos principais destinos mundiais.
Por estes dias, poucos são também os habitantes da capital francesa que não têm uma reação adversa quanto ao facto de a sua cidade parecer uma autêntica frente de batalha, tal o volume de trincheiras que criam restrições ao acesso a diferentes zonas, à circulação automóvel e à utilização dos transportes públicos. Da parte dos poderes públicos locais, este foi o momento para promover uma profunda transformação da cidade, estimulando a sua descarbonização e despoluição. Apesar das badaladas restrições ao uso das trotinetes, Paris tem hoje mais ciclovias e viu pedonalizada a envolvente de muitas das ruas que têm equipamentos escolares. A autarquia promoveu o alargamento das zonas verdes e desencadeou a limpeza do Rio Sena, em paralelo com o investimento orientado para a regeneração de diferentes zonas mais inseguras da cidade.
Não menos revolucionária foi a opção pela realização da Cerimónia de Abertura fora do estádio, transformando toda a cidade num enorme estúdio/cenário para um programa que é sobretudo um espetáculo televisivo e que não
Guião da abertura de Paris 2024 é ilustrativo das tensões com que se confronta a sociedade francesa
defraudou as expectativas enquanto tal. Todavia, o guião utilizado foi também ilustrativo das tensões com que se confronta a sociedade francesa atual: ao assumir-se como moderna e inclusiva, mas limitando-se a fazer a apologia do “diverso”; ao pretender-se integradora, mas estimulando o desrespeito pelos valores essenciais de diferentes culturas e religiões.
Um conjunto de desafios que esteve bem presente nas últimas eleições e que o sucesso dos Jogos não conseguirá ultrapassar.