O QUE PODIA SER E NÃO FOI
Na verdade, apetecia-me ‘sole normande’ – os filetes de linguado cozinhados no forno, o sabor da cidra, o creme de manteiga e mexilhões na frigideira (os camarões misturados absorvendo a gema de ovo), as batatinhas cozidas ao lado. O prato aparece em ‘Os Maias’, no jantar do Hotel Central, e apeteceu – mas o tempo não permitiu que partisse em busca de linguados frescos porque não é o tempo deles, nem de filetes de robalo, que agora se encontram com mais facilidade, e que podiam substituir os de linguado, passados apenas por farinha, com alcaparras em vez de camarões.
Enfim, podia ser isto tudo – mas não foi. Choveu, fez frio, a primavera é um tempo mais instável do que as trapalhadas do nosso parlamento, e restavam-me umas coxas de frango suculentas, que cortei a meio d temperei a frio com um magro fio azeite, um pouco de tomilho fresco que tinha sobrado de outros afazeres, um dente de alho
(nunca é apenas um, é sempre mais), gengibre ralado e uma pequena colher de sal. Tudo a gosto, dependendo do apetite e do aroma que se vai formando.
Isto fica assim durante uma hora.
Na panela de ferro, verto uma colher de azeite (nunca é apenas uma, é sempre mais) e frito o frango, que sequei antes. A pele, tostada, pede uma trincadela, mas resisto.
Viro de modo a que fique frito por todo, e retiro da panelinha, onde junto uma cebola picada para perder a cor branca e ganhar aquele tom creme (agora, tudo é “confitado”, mas eu resisto a usar a palavra), e uma cenoura às rodelas, um tomate sem pele e bem picado e um copo de vibom nho branco seco. Finalmente, sirvo-me daquele grão-de-bico que tive o cuidado de tirar do congelador a tempo (como os leitores recordam, sobrou do rancho que fiz há duas semanas) e deixo a estufar como pede. Um pouco de água e fogo lento. Vinte minutos até que o grão começa a desfazer-se com o garfo e desaparece na boca como um puré malicioso.
Nessa altura mexo bem e junto um punhado de acelgas (pode substituir por espinafres) cortadas, que me chegaram do Douro por mão amiga, tempero de sal e deixo isto tudo por dez minutos. É o último retoque: envolvo bem as acelgas no grão e percebo que é um perfume delicioso, doce e amargo, suavíssimo. O frango cai sobre esta mistura juntamente com os sucos que se soltaram entretanto. Dez minutos mais e sirvo-me. Não há gordura em excesso, não há colesterol maligno, não há hidratos a mais, o frango parece uma bênção cremosa a povoar aqueles legumes. Não resisto e corto uma fatia de pão para aproveitar aquele molho. Tinha acabado de festejar a invenção do meu grão com frango
frito.
O PRATO APARECE EM `OS MAIAS', NO JANTAR DO HOTEL CENTRAL