O Estado de S. Paulo

Clima de otimismo embala início de convenção democrata

Candidatur­a de Kamala Harris anima apoiadores após crises com Biden; críticas ficam por conta de apoio do governo a Israel em Gaza

- DANIEL GATENO

Os democratas se reúnem para a Convenção Nacional Democrata a partir de hoje em Chicago com o ânimo renovado após a entrada da vice-presidente Kamala Harris na disputa presidenci­al. Depois de semanas de apreensão com a reeleição de Joe Biden, a campanha sob Kamala mobilizou os eleitores e melhorou nas pesquisas eleitorais.

Apesar do otimismo, a convenção também deve ser o espaço para protestos contra o apoio do governo americano a Israel na Faixa de Gaza. Críticos da posição dos EUA organizara­m manifestaç­ões durante os dias do evento, que segue até a quinta-feira, e esperam milhares de pessoas presentes.

A convenção vai ter a presença de políticos importante­s do partido, como o presidente Joe Biden e os ex-presidente­s Barack Obama e Bill Clinton, e culmina com a confirmaçã­o das candidatur­as de Harris e Tim Walz à presidênci­a e vicepresid­ência, respectiva­mente. Os dois discursarã­o no evento.

OTIMISMO. Harris e Walz devem encontrar uma base energizada com a possibilid­ade de vitória nas eleições. O cenário é completame­nte diferente de um mês atrás, quando o presidente e então candidato Joe Biden estava mal por causa de suas aparições públicas desastrosa­s.

Em contrapart­ida, o republican­o Donald Trump ganhava força após ter sobrevivid­o a uma tentativa de assassinat­o. “A convenção ocorre em um clima muito diferente de um mês atrás, quando os republican­os fizeram uma convenção praticamen­te no estilo do ‘já ganhou’”, afirmou Carlos Gustavo Poggio, professor de ciência política do Berea College, no Kentucky.

Com Harris na liderança da chapa, a campanha democrata arrecadou US$ 310 milhões (R$ 1,6 bilhão) em julho. O valor mostra o rápido consenso em torno do nome dela e deve fazer diferença principalm­ente nos chamados Estados-pêndulo, onde a vitória eleitoral alterna entre democratas e republican­os. “Nós vamos ver um Partido Democrata que rapidament­e se organizou em torno de Kamala Harris. Alguns políticos tiveram que sacrificar suas ambições pessoais para que isso ocorresse. A legenda entendeu o momento e ninguém desafiou a candidatur­a”, disse Poggio.

Nas últimas sondagens eleitorais do The New York Times com o Siena College, a campanha democrata cresceu e Harris apareceu com vantagem sobre os republican­os em quatro Estados-pêndulo. A candidata tem 50% em Michigan, Pensilvâni­a, Wisconsin e Arizona, contra 46% de Trump nos três primeiros e 45% no último. Ela também tem vantagem na Carolina do Norte, onde os democratas venceram pela última vez com Obama em 2008.

Para Poggio, os números de Kamala Harris nas pesquisas de opinião tendem a melhorar após a convenção. “Normalment­e depois de uma convenção partidária os candidatos tendem a ter uma melhora nos seus números de aprovação e Harris tem números muito melhores do que os de Biden”.

Pesquisas eleitorais Campanha de Kamala apareceu à frente de Trump em Estados cruciais para a vitória

JOE BIDEN. O presidente Biden deve comparecer à convenção hoje para discursar no dia de abertura. Analistas o veem como um dos principais responsáve­is pela união em torno do nome de Harris por ter prestado apoio imediato à vice-presidente quando anunciou sua desistênci­a. “Se Biden tivesse dito que estava apenas desistindo da reeleição sem apoiar ninguém, talvez tivéssemos alguma disputa entre Harris e outro candidato”, analisou Poggio.

Após desistir da reeleição, Biden foi aclamado pelos seus colegas de partido, que passaram a dizer que o atual presidente colocou o país acima de suas ambições políticas. Os democratas também proclamara­m que Trump, o candidato republican­o à presidênci­a desde 2016, não seria capaz de tomar a mesma decisão.

No dia 15, Biden e Harris participar­am juntos de um evento pela primeira vez desde que a liderança da chapa mudou. “Eu tenho uma parceira incrível em todo este progresso que fizemos. Ela vai ser uma ótima presidente”, afirmou Biden.

DISCURSOS. Os discursos que devem ocorrer durante a convenção ainda não foram divulgados, mas as participaç­ões de nomes como Obama, Bill Clinton e Hillary são esperadas. O evento também terá os primeiros discursos de Kamala Harris e Tim Walz como candidatos democratas oficiais à Casa Branca.

Como uma grande marca das convenções, os discursos também podem servir para políticos com pouca projeção nacional terem a oportunida­de de aparecer para um público maior. Foi o caso de Obama, que apareceu na convenção democrata em 2004, quando era senador de Illinois.

A convenção também serve para que os delegados eleitorais da legenda finalizem a plataforma política do partido, descrevend­o as posições dos democratas para a eleição.

PROTESTOS. A animação com a campanha de Kamala Harris, no entanto, deve contrastar com as manifestaç­ões contra o apoio americano a Israel na Faixa de Gaza. Desde o início do conflito, em 7 de outubro do ano passado, o governo Biden tem sido criticado internamen­te. Nesse período, a Casa Branca alternou entre momentos de apoio incondicio­nal a Israel e críticas a forma que as forças israelense­s atuam no conflito.

Em maio, milhares de estudantes protestara­m em universida­des americanas para pedir um cessar-fogo na Faixa de Gaza. Os protestos prejudicar­am a popularida­de de Biden e tendem a respingar em Kamala Harris, agora que ela está na liderança da chapa.

Para os manifestan­tes que estarão nas ruas de Chicago, a saída de Biden da eleição não muda a situação dos palestinos em Gaza. “Kamala Harris não é progressis­ta. Nenhum de nós está disposto a ouvi-la falar da boca para fora sobre a situação dos palestinos”, disse Hatem Abudayyeh, porta-voz da Coligação para Marcha sobre a Convenção Nacional Democrata, em nota.

O risco de manifestaç­ões contrárias ao governo aumentou os temores de que o evento seja similar à convenção democrata de 1968, que também ocorreu em Chicago. A ocasião ficou marcada por protestos envolvendo milhares de pessoas contrárias à atuação dos americanos na Guerra do Vietnã (1955-1975), que acabaram em violência e conflitos com a polícia.

O momento político daquele ano também se assemelha com o atual. Em 1968, o então presidente americano Lyndon Johnson anunciou que não iria concorrer à reeleição, da mesma forma que Biden. O aumento do envolvimen­to americano na Guerra do Vietnã e o número de mortes de soldados do país no conflito o tornaram muito impopular. Assim como em 2024, os democratas nomearam como candidato à Casa Branca o então vice de Johnson, Hubert Humphrey, que tentou se distanciar da impopulari­dade de seu chefe, mas não conseguiu. O republican­o Richard Nixon venceu as eleições.

Os organizado­res dos protestos deste ano afirmaram que estão confiantes de que não haverá violência desta vez, como em 1968, e que tem certeza de que os democratas não irão atender a suas exigências. O apoio a Israel nos Estados Unidos segue sendo bipartidár­io, apesar de críticas cada vez mais fortes de integrante­s da ala progressis­ta dos democratas. •

Com W.P.

Críticas ao apoio a Israel

Protestos universitá­rios atingiram Biden e devem respingar sobre Kamala Harris

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JULIA NIKHINSON/AP Democrata arrecadou US$ 310 milhões em julho depois de assumir chapa por desistênci­a de Biden

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