O Estado de S. Paulo

36% das pessoas atendidas têm menos de 30 anos

- ANNA SCABELLO, GABRIEL GOMES, GUILHERME NANNINI, LETICIA QUADROS E VINÍCIUS NOVAIS

Jovens com menos de 30 anos, a chamada geração Z, já somam mais de um terço (36,3%) dos pacientes atendidos por dependênci­a no HC. Para especialis­tas, a falta de fiscalizaç­ão da publicidad­e abusiva e a ampliação do setor de apostas no País impulsiona­m o problema.

Quando os dados começaram a ser tabulados pelo ProAmjo, em 2015, havia apenas um paciente abaixo de 30 anos. No ano passado, o número saltou para 58. Até julho de 2024, a proporção entre a geração Z e os mais velhos vinha se mantendo em relação a 2023. De acordo com o ambulatóri­o, os mais jovens já chegam para atendiment­o com alto nível de endividame­nto, após a família descobrir o vício em jogos.

Psicóloga especialis­ta em Transtorno do Jogo no ProAmjo, Maria Paula Magalhães acredita que a instantane­idade das apostas e a relação das bets com esportes contribuem no processo de vício. “Hoje, vemos jovens de 20 e poucos anos muito endividado­s, contraindo dívidas e de uma maneira rápida”, afirma.

ALHEIO A ALERTAS. “Eu não via meu dinheiro como dinheiro, mas como ficha de aposta.” A frase é do estudante de Ciências Contábeis Fernando (nome fictício), de 26 anos. Ele fez as primeiras apostas em bets aos 15, com quantias pequenas. Mas o que começou como diversão se tornou vício.

Depois de perder dois carros, um apartament­o e uma casa de praia nos jogos de azar, ele ainda tinha certeza de que conseguiri­a recuperá-los. “Eu acreditava, assistia bastante esporte e tinha amor ao futebol. Achava que meus palpites sempre seriam vitoriosos”, relata. “Fazia loucuras para poder jogar, meu salário não durava três dias.”

Sem entender que tinha uma doença, o jovem foi alertado por familiares, que sugeriram que ele acompanhas­se uma reunião dos Jogadores Anônimos. Desde essa época, Fernando frequenta as reuniões, que ocorrem uma vez por semana. Há quatro meses sem jogar, Fernando contou que deixou de administra­r o próprio dinheiro após entrar no grupo de apoio. Em acordo com a família, ficou decidido que ele não teria posse do cartão de crédito nem independên­cia financeira.

O movimento de tentar recuperar as perdas, como Fernando fez, é um dos principais indicadore­s do vício, segundo Robson Gonçalves, economista comportame­ntal e professor da Fundação Getúlio Vargas. “Isso é chamado de viés de custos irrecuperá­veis. A pessoa pensa: ‘Não cheguei até aqui para desistir’. E acha que o que deu tantas vezes errado vai começar a dar certo”, alerta.

Os jovens são mais suscetívei­s a entrar em um vício porque a formação completa do cérebro ocorre por volta dos 25 anos. “O córtex pré-frontal é o último a ser formado”, explica a psiquiatra Nicole Rezende.

MAPEAMENTO. Segundo o Mapa Serasa Crédito de maio de 2024, 16,7% das pessoas de 18 a 25 anos que contraem empréstimo de crédito consignado usam o dinheiro para jogos de apostas na internet. •

Avanço rápido Quando dados começaram a ser tabulados, em 2015, havia um paciente nessa faixa etária; agora, são 58

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