O Estado de S. Paulo

Nutrientes e antioxidan­tes fazem ora-pro-nóbis virar moda

SAÚDE Antes conhecida só como cerca viva, a ‘Pereskia aculeata’ vai bem em saladas e refogados e traz diversos benefícios ao corpo

- REGINA CÉLIA PEREIRA

Não faz muito tempo, a principal função da Pereskia aculeata era a de cercar propriedad­es em cidades do interior, especialme­nte em Minas Gerais. Seus arbustos altos – ultrapassa­ndo os 4 metros – e a presença de espinhos (acúleos) são eficientes para barrar a entrada de intrusos. Além de proteger casas e sítios, as cercas vivas eram comuns em igrejas. Vem daí a crença de muitos historiado­res de que foram padres que batizaram a espécie. Ora-pro-nóbis vem do latim e significa “rogai por nós” – ou seja, é parte de uma oração.

Hoje, a planta está muito mais popular e aparece até em programas de TV, em forma de suplemento. Mas o ideal mesmo seria usá-la na versão natural para enriquecer a alimentaçã­o. Parte de seu sucesso se deve à alta concentraç­ão de nutrientes. “Oferece sais minerais como magnésio, zinco e cobre”, enumera a nutricioni­sta Ana Carolina Benite, pesquisado­ra da Unicamp. Esse trio exerce ações positivas no humor e no sistema imunológic­o e na memória.

Análises mostram ainda uma boa concentraç­ão de compostos de ação antioxidan­te. “São os metabólito­s secundário­s, produzidos para preservar o vegetal”, explica Ana Carolina. Essas substância­s protegem a planta das mudanças do clima, do calor do sol, e afastam insetos e outros inimigos. Os fenólicos são os mais abundantes na ora-pro-nóbis. No nosso organismo eles blindam as células de danos, favorecend­o a integridad­e dos vasos sanguíneos, por exemplo.

As folhas, suculentas, contêm ainda um tipo especial de fibra, a mucilagem. Além de blindar o trato gastrointe­stinal, ela está por trás da consistênc­ia e é a agente de certa viscosidad­e, parecida com a do quiabo – que surge quando o vegetal vai à panela. “Engrossa cozidos e ensopados de frango, entre outras preparaçõe­s”, enumera o engenheiro-agrônomo Nuno Rodrigo Madeira, da Embrapa Hortaliças, no Distrito Federal. Conforme as folhas são picadas, mais mucilagem aparece. Portanto, uma dica para quem não gosta dessa “baba” é manter a planta inteira ao prepará-la.

Ainda que ofereça todas essas preciosida­des, seu teor proteico sempre foi o mais festejado. “A ora-pro-nóbis concentra, em média, 24% de proteína em matéria seca”, quantifica Madeira. Significa que precisa passar por um processo de desidrataç­ão para oferecer doses consideráv­eis do nutriente.

A folha fresca, composta de grande porcentual de água, passa, portanto, longe de filés, feijões e outras fontes verdadeira­s de proteína.

PÃES E MASSAS. Existem farinhas e outros produtos elaborados a partir da secagem do vegetal. Inclusive, dá até para preparar em casa: basta levar as folhas ao forno e assar, em fogo baixo, por cerca de uma hora. Daí é só triturar em um pilão ou bater no processado­r. Pode ser usada para incrementa­r bolos, pães e massas. Mas, segundo Nuno Madeira, é preciso uma dose de cautela para não estragar as receitas. “O exagero pode deixar um gosto desagradáv­el”, comenta.

O pesquisado­r prefere mesmo o consumo como uma hortaliça folhosa. Além dos pratos típicos da culinária mineira (caso do ensopado de frango), ela fica bem em receitas de caldos, omeletes e acompanha carne de porco e angu. “Fica perfeita refogada com alho e cebola, junto de arroz e feijão”, ensina Ana Carolina.

Há quem aconselhe dar uma leve cozida para reduzir compostos antinutric­ionais – aqueles que atrapalham o aproveitam­ento de substância­s benéficas –, mas muitos consomem cru. Basta variar as opções no dia adia. U madi cade Nu noé montar saladas com outras verduras para sair da mesmice da alface. Também se revela uma ótima pedida em diferentes molhos, no estilo pesto, ou em vinagretes.

ONDE ENCONTRAR? Mesmo com acrescente popularida­de, ainda nãoé fácil encontrara ora-pro-nóbis em feiras e supermerca­dos.

O motivo é que o cultivo da planta não está inserido nas cadeias produtivas. “Trata-se de uma panc, ou seja, uma planta alimentíci­a não convencion­al”, explica o farmacêuti­co João Ernesto de Carvalho, professor da Unicamp. Carvalho conta que existem outras espécies que também são chamadas de ora-pro-nóbis, masa maisc ons um idaé aquetem flores brancas – que levam o nome científico já mencionado, Pereskia aculeata.

Nativa da América, aqui no Brasil ela cresce em todas as regiões, mas é muito mais conhecida em Minas Gerais.

Se dera sorte de conseguir uma muda – em feiras de pequenos produtores, por exemplo – basta um vaso grande ou uma varanda para cultivá-la. Sem muitas exigências, se adapta facilmente a solos e climas diferentes.

Nuno Madeira recomenda atenção com apoda, oque garante folhas novas, mais macias e saborosas. Outro c ui dadoé ode não encharcar com água, já que se trata de uma espécie da família dos cactos. Regar duas vezes por semana costuma ser o suficiente.

Assim, o alimento vai estar sempre por perto e pode compor o cardápio. Só não vale cair na monotonia e deixar outros ingredient­es de lado.

“Tem sido supervalor­izado, mas ainda faltam estudos sobre muitos dos benefícios apregoados”, observa a nutricioni­sta e fitoterape­uta Vanderlí Marchiori, conselheir­a da Associação Brasileira de Fitoterapi­a (ABFIT). Embora existam indícios – vindos de experiment­os em laboratóri­o – de efeitos anti-inflamatór­ios, não dá para dizer que a planta teria eficácia contra artrite, por exemplo. “Não aconselho o uso de suplemento­s ou cápsulas”, diz Vanderlí.

Ou seja, o melhor mesmo é abusar da criativida­de culinária e consumir da maneira que mais agrada ao paladar. •

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OSCAR YOSHINORI/ADOBE.STOCK Ora-pro-nóbis: ação antioxidan­te protege a planta do calor e blinda nossas células de danos

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