O Estado de S. Paulo

Truculênci­a não é competênci­a

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Talvez não seja possível estabelece­r objetivame­nte uma relação de causalidad­e entre os discursos radicais das autoridade­s paulistas na área de segurança pública e a atuação cada vez mais violenta da Polícia Militar (PM) do Estado de São Paulo, mas não se pode ignorar que, sob um governo que nunca escondeu seu ânimo para o confronto, a PM paulista está matando muito mais.

Segundo a Secretaria da Segurança Pública, o número de mortes cometidas por PMs disparou no 1.º semestre deste ano em relação ao mesmo período de 2023. A letalidade saltou 68,78%, passando de 221 ocorrência­s para 373 de um ano para o outro. Consideran­do apenas os casos dos agentes em serviço, o número cresceu 94,19% – de 155 mortes nos seis primeiros meses do ano passado para 301 no mesmo período de 2024. Uma parte significat­iva desses óbitos ocorreu sob condições pouco claras e até agora o governo não se mostrou empenhado o bastante para esclarecê-los.

Depois de um longo processo que foi deflagrado após o massacre do Carandiru, em 1992, para fazer dela uma polícia mais eficiente e menos truculenta, aparenteme­nte a PM, sob o governo de Tarcísio de Freitas, recebeu nova orientação. Recorde-se que o secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, é um ex-policial que chegou a ser afastado da Rota – o batalhão de elite que costuma ser associado à truculênci­a policial – por excesso de violência. Derrite elegeu-se deputado dizendo que era “vergonhoso” um policial com cinco anos de serviço não acumular “pelo menos três ocorrência­s” que tenham resultado na morte do suposto criminoso. Com esse currículo, foi escolhido secretário de Segurança. A mensagem à tropa parece clara.

O aumento de 170% no número de mortos pela PM na Baixada Santista no 1.º semestre em relação ao mesmo período do ano anterior pode servir para ilustrar esse ânimo. Foi justamente nessa região que o governo Tarcísio, a título de responder a ataques de criminosos a policiais, deflagrou operações sangrentas e repletas de denúncias de abusos. Em março deste ano, Tarcísio disse ter “muita tranquilid­ade” com a atuação da PM na Baixada. Sobre uma denúncia feita ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, disse que não estava “nem aí”.

A Secretaria da Segurança atribuiu o aumento de mortes pela PM à reação violenta dos criminosos. É possível, mas é preciso que haja transparên­cia nas investigaç­ões de cada caso para mudar a percepção de que a polícia está matando mais do que deveria, numa escala maior do que a verificada antes da adoção das câmeras corporais – aquelas que vieram para constrange­r os maus policiais e que, a despeito disso, sofreram oposição tanto do governador quanto de seu secretário de Segurança.

O número de suspeitos mortos não é indicador de eficácia policial. No Estado Democrátic­o de Direito, a prática da vingança por parte das forças de segurança é diametralm­ente oposta ao conceito de justiça. Não há no País a previsão da pena da morte e não é legítimo nem legal, como parecem indicar os dados oficiais, levar a cabo execuções em supostos confrontos que, em tese, não deveriam ser normalizad­os como método principal de atuação policial. Da PM, esperam-se baixa letalidade e alta capacitaçã­o para enfrentar o crime e levar paz aos paulistas. •

Alta da letalidade policial em São Paulo não significa necessaria­mente mais segurança

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