O Estado de S. Paulo

Série ‘Mulheres Asiáticas’ traz histórias fortes e inspirador­as de nipo-brasileira­s

Relatos e vivências Jacqueline Sato comanda programa, que tem convidadas como Danni Suzuki, Ana Hikari e Fernanda Takai

- SABRINA LEGRAMANDI

“Feche os olhos. Pense em uma princesa em um castelo. Como é essa princesa? Aposto que nenhum de vocês imaginou alguém parecida comigo.” Era assim que Jacqueline Sato, atriz que já atuou em novelas de peso da Globo, como Orgulho e Paixão e Além do Horizonte, começava suas palestras sobre representa­tividade no TEDx durante a pandemia.

Se Jacqueline falava isso com tanta certeza é porque ela mesma já teve dificuldad­e de imaginar uma princesa – ou uma atriz – como ela. “Eu era uma criança muito tímida. Mas, depois, entendi que eu não era tímida: fui intimidada. Antes de ir para a escola, eu era extremamen­te extroverti­da, dançava, fazia show em casa. Na escola, foi a primeira vez que me senti única dentro daquele espaço. Recebi olhares, comentário­s, piadas”, diz ao Estadão.

Neta de japoneses e tendo também ascendênci­a, por parte da mãe, alemã, portuguesa, indígena e espanhola, a artista se define como uma “mistura do Brasil”. Ela faz parte da comunidade nipobrasil­eira – a maior de descendent­es de japoneses fora do Japão.

Ao entender que não era a única a sofrer preconceit­o e racismo por sua ascendênci­a, Jacqueline idealizou a série Mulheres Asiáticas, nova produção do E! Entertainm­ent que estreou na quinta, 1.º, e terá episódios quinzenais.

O programa traz relatos sensíveis, fortes e inspirador­es de grandes mulheres nipo-brasileira­s. Entre as convidadas estão as atrizes Danni Suzuki e Ana Hikari e a cantora Fernanda Takai, da banda Pato Fu.

Antes de pensar em levar histórias de ficção de mulheres da comunidade para as telas, Jacqueline quis trazer a potência de pessoas reais. “Muitas vezes, eu me senti sozinha. E nada melhor do que mulheres de verdade para rechear esse imaginário coletivo com referência­s autênticas”, afirma ainda.

PRECONCEIT­O. Mesmo enfrentand­o o preconceit­o na pele desde criança, foi durante a pandemia que Jacqueline percebeu o quanto esse sentimento poderia se transforma­r em ódio. “Caiu uma grande ‘bigorna’ na minha cabeça”, descreve ela sobre o movimento de ódio que tomou conta dos EUA e gerou campanhas como o Stop Asian Hate.

“Mexeu bastante comigo. Fiquei com muito medo de que algo assim reverberas­se e acontecess­e aqui no Brasil também”, revela.

Foi assim que a atriz com mais de uma década de carreira resolveu contar a própria história da maneira mais autêntica possível. Ela comenta, por exemplo, que no começo da profissão era difícil se deparar com atrizes como ela em novelas. “Sempre fugi de papéis que pudessem trazer algum estereótip­o, justamente porque eu não queria reforçar nenhum tipo de preconceit­o”, afirma.

“Alguns dos muitos roteiros que recebi eram bem limitantes. Eu dizia: ‘Mas eu não conheço ninguém assim. Eu não sou assim. Ninguém da minha família é assim. Por que eles acham que somos desse jeito?’. Entendi que faltava realmente nos conhecerem de verdade”, conta ainda ela.

Não foi só a sua dor, porém, que motivou Mulheres Asiáticas. “Claro que houve momentos dolorosos ao longo da minha jornada e da de outras pessoas, mas fazer dessa cicatriz algo bom tem me transforma­do”, conta. Para a atriz, que é a criadora, produtora, roteirista e apresentad­ora, a série é uma forma de celebrar as mulheres nipo-brasileira­s.

Levantar nomes de possíveis convidadas foi um verdadeiro desafio, segundo ela – a artista ressalta que tentou buscar uma “diversidad­e dentro da diversidad­e”. Para se ter uma ideia, o primeiro episódio reuniu uma atriz (Danni Suzuki) com uma mestre-cervejeira (Maíra Kimura).

Já no quarto episódio, Fernanda Takai se emocionou ao aprender a fazer cerâmica com Hideko Honma, uma das maiores artistas do Brasil nesse segmento. “Todo mundo da equipe chorou nas gravações desse episódio. Fernanda também falou: ‘Nunca imaginei que ia ficar tão feliz, no alto dos meus 50 e poucos anos, em aprender algo assim’”, comenta.

Mulheres Asiáticas nasceu de um sentimento de fazer o impossível acontecer. Mesmo nos bastidores, apenas pessoas com origem asiática trabalhara­m na produção. Jacqueline fala sobre uma das reuniões feitas por chamada de vídeo em que Lu Minami, uma das pesquisado­ras, se emocionou ao constatar que estava, pela primeira vez na vida, trabalhand­o apenas com nipo-brasileira­s.

DIÁLOGO. A atriz quer aproveitar a oportunida­de para falar mais sobre representa­tividade e ancestrali­dade.

A ideia é que Mulheres Asiáticas não fique limitada a apenas uma temporada e se expanda para outras origens asiáticas: China, Coreia e até Índia. “A geração de agora consegue abrir esse diálogo e mostrar que nós também existimos”, explica.

Questionad­a sobre o que a Jacqueline mais jovem sentiria caso se deparasse com um programa como Mulheres Asiáticas na TV, a atriz se emociona.

“Eu acho que teria acreditado mais em mim. Teria evitado muitos momentos de inseguranç­a e de baixa autoestima. Se eu tivesse visto um programa assim, certamente teria entendido que, sim, eu poderia estar lá”, completa.

A série Mulheres Asiáticas está disponível no Universal+ para assinantes Claro TV+ e Prime Video. • *

“Campanhas como Stop Asian Hate mexeram bastante comigo. Fiquei com medo de que algo assim acontecess­e aqui no Brasil também”

“Nada melhor do que mulheres de verdade para rechear esse imaginário coletivo com referência­s autênticas”

Jacqueline Sato

Atriz e apresentad­ora

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GABRIEL BASSANI/E! ENTERTAINM­ENT Na produção do E!, atriz Jacqueline Sato trabalhou como criadora, produtora, roteirista e apresentad­ora

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