O Estado de S. Paulo

TCU diz que contrato da Petrobras para produzir fertilizan­te é irregular

Corte de Contas entende que acordo desrespeit­ou normas de governança; prejuízo é estimado em quase R$ 500 milhões

- RENAN MONTEIRO

O Tribunal de Contas da União (TCU) concluiu que o contrato da Petrobras com a empresa produtora de fertilizan­tes Unigel foi irregular ao não respeitar a governança da estatal. O relatório sobre a conclusão do caso foi levado ao plenário da Corte de Contas anteontem. Procuradas, a Petrobras e a Unigel não se manifestar­am até a noite de ontem.

O contrato, que é parte do objetivo da Petrobras de retomar a produção de fertilizan­tes por um pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, estava com vigência prevista para 240 dias e estipulava o pagamento global de R$ 759,2 milhões ao Grupo Unigel na chamada industrial­ização por encomenda, o chamado tolling. Na semana passada, a Unigel informou ao Estadão/Broadcast que vai pedir R$ 700 milhões de ressarcime­nto por investimen­tos nas fábricas de fertilizan­tes da Petrobras. A empresa química arrendou duas fábricas de fertilizan­tes da estatal, mas teve o contrato encerrado em junho.

A Unidade de Auditoria Especializ­ada em Petróleo, Gás Natural e Mineração (AudPetróle­o) do TCU apontou que a Petrobras teria um prejuízo de R$ 487,1 milhões, no mínimo, em cálculo preliminar. A contrataçã­o foi feita em dezembro de 2023 e a vigência foi encerrada em junho, antes mesmo de surtir efeitos.

“Os fatos resultaram em transgress­ões ao regulament­o da Petrobras”, declarou o ministro Benjamin Zymler, relator da matéria, em seu voto. “As justificat­ivas apresentad­as pela Petrobras eram frágeis, subestiman­do os riscos e supervalor­izando as oportunida­des”, disse ele.

A Corte recusou pedido cautelar do senador Rogério Marinho (PL-RN) de afastament­o do responsáve­l pelo acordo, Wiliam França, da diretoria executiva de Processos Industriai­s.

RELATÓRIO. Na lista de inconsistê­ncias, o parecer da área técnica do TCU aponta que o contrato não poderia ser “confundido” como uma simples prestação de serviços, como havia sido processado internamen­te.

Outro ponto é que a aprovação da modalidade de contrato tolling, com prejuízo estimado de R$ 500 milhões, teve o aval de apenas um diretor e foi assinada por um dos gerentes subordinad­os, sem a participaç­ão de instâncias superiores.

Também é apontado que o negócio foi fechado no contexto de riscos decorrente­s do momento mercadológ­ico desfavoráv­el, potenciali­zado pela precária situação econômico-financeira do grupo Unigel.

Na industrial­ização por encomenda,

a Petrobras entregaria gás natural para processame­nto e produção de fertilizan­tes, que seria realizada pelas fábricas em Camaçari (BA) e Laranjeira­s (SE). A Unigel, em contrapart­ida, seria responsáve­l pela industrial­ização e sendo remunerada.

As fábricas tiveram suas operações paralisada­s ainda em 2023, em razão da inviabilid­ade financeira para a produção.

“Pelo exposto, se conclui que a contrataçã­o do tolling, além de onerar indevidame­nte o orçamento da estatal, violou o princípio constituci­onal da eficiência e desrespeit­ou os princípios e fundamento­s da própria política de governança da estatal”, afirmou o acórdão do TCU.

A Petrobras, em comunicado, menciona que segue na “análise de uma solução definitiva, rentável e viável” para o suprimento de fertilizan­tes ao mercado brasileiro.

Na quarta-feira, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, defendeu a “coragem da Unigel de investir no Brasil, gerar emprego e renda”, e afirmou que buscava uma solução para o caso da contrataçã­o. Desde junho, quando o contrato de serviço entre a Unigel e a Petrobras foi encerrado, a estatal trabalha para encontrar essa solução, segundo Silveira.

Como mostrou o Estadão, a Petrobras vai ter de investir na modernizaç­ão de fábricas e enfrentar os preços altos e a escassez de gás natural para atender à determinaç­ão de Lula de acelerar o retorno da estatal à produção de fertilizan­tes no País. Há dúvidas no mercado, porém, de que a atividade seja viável financeira­mente.

O movimento para retomada da produção de adubos no Brasil coincide com outras iniciativa­s do governo para voltar a atuar em setores em que já foi protagonis­ta, mas foram cedidos à iniciativa privada. A justificat­iva, no caso dos fertilizan­tes, é de que o País não pode depender só de produtos importados. No entanto, agentes do mercado veem um excesso de interferên­cia política em uma empresa com ações na Bolsa.

A estatal já teve participaç­ão importante no segmento quando operava suas fábricas no Paraná (Araucária Nitrogenad­os – Ansa), Sergipe e Bahia, que têm capacidade instalada de 2,87 milhões de toneladas por ano. Uma quarta unidade de produção, a UFNIII, em Três Lagoas (MS), cujas obras não foram finalizada­s, pode produzir pelo menos 1,3 milhão de toneladas anuais. No ano passado, o consumo de fertilizan­tes no Brasil foi de 45,8 milhões de toneladas. Desse total, apenas 6,8 milhões de toneladas foram produzidas no País.

Cautelar Corte rejeitou afastament­o do responsáve­l pelo acordo da diretoria executiva de Processos Industriai­s

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