O Estado de S. Paulo

‘Chance de ter uma subida de juros este ano aumentou’

Para a economista do UBS, a incerteza fiscal e a postura do BC podem levar a novo aperto nas taxas Economista, é diretora de macroecono­mia para o Brasil no UBS Global Wealth Management

- LUIZ GUILHERME GERBELLI

“Achamos que a expectativ­a de inflação vai continuar subindo. E não há no horizonte uma notícia de (política) fiscal que mude a percepção de falta de âncora. Então, a chance de ter uma alta de juros este ano aumentou”

Diretora de macroecono­mia para o Brasil do UBS Global Wealth Management, Solange Srour avalia que o Comitê de Política Monetária (Copom) endureceu a mensagem no comunicado divulgado ontem, mas pondera que essa mudança de tom é insuficien­te diante de um cenário em que parte do mercado passou a precificar uma possibilid­ade alta da taxa básica de juros (Selic) em setembro. “O Copom, por meio das palavras, tentou passar uma mensagem mais dura, mas não foi suficiente­mente dura nas projeções e no balanço de riscos.”

Na sua visão, pela incerteza fiscal que ainda paira na economia e pela falta de “dureza de discurso” do BC, cresceu o risco de o Copom precisar subir a taxa básica de juros neste ano. “Certamente, um discurso mais duro do Banco Central segura o câmbio e, de uma certa forma, segura as expectativ­as. Não é uma condição suficiente para a expectativ­a (de inflação) cair, mas eu acho que é uma condição necessária”, diz. “Se as expectativ­as, conforme eu espero, continuare­m subindo, o BC vai precisar subir os juros porque elas já estão superdesan­coradas.”

A seguir, trechos da entrevista concedida ao Estadão.

Como a sra. avalia a decisão e o comunicado do Copom?

O Copom, por meio das palavras, tentou passar uma mensagem mais dura, mas não foi suficiente­mente dura nas projeções e no balanço de riscos. O mercado tem uma alta (de juros) em setembro, e ele (Copom) não está querendo deixar claro para o mercado que está disposto a subir os juros.

Qual a consequênc­ia de o BC não ser tão duro como deveria ser?

Tinha muita gente esperando que fosse bem dura, deixando a porta mais aberta para setembro. Se o mercado interpreta­r que a porta não está tão aberta assim, e deveria estar, devemos ver o câmbio depreciand­o (ainda) mais.

Nesse cenário, quais devem ser os próximos passos do BC?

Na nossa opinião, os fatores de risco são mais elevados do que o Banco Central tem visto. A gente acha que a expectativ­a de inflação vai continuar subindo. No horizonte que conseguimo­s enxergar, não tem uma notícia de (política) fiscal que mude a percepção de falta de âncora. Então, a chance, hoje, de ter uma subida de juros este ano e, com certeza, no ano que vem, aumentou, tanto pela questão fiscal como pela questão de dureza de discurso. Certamente, um discurso mais duro do BC segura o câmbio e, de uma certa forma, segura a expectativ­a. Não é uma condição suficiente para a expectativ­a cair, mas eu acho que é uma condição necessária.

Desde o início do mandato, o presidente Lula vem criticando a condução da política monetária. O BC terá força para subir o juro, se preciso? Se as expectativ­as (de inflação), conforme eu espero, continuare­m subindo, o BC vai precisar subir os juros porque elas já estão superdesan­coradas. Se a expectativ­a continua subindo, ela vai para cima do topo do teto. Ficar parado nessa situação vai ser visto como abandono de meta. Se o cenário continuar no sentido de perda de credibilid­ade fiscal e dúvidas sobre o BC, inevitavel­mente, as expectativ­as vão subir, e vai ficar impossível não subir (os juros). O problema de empurrar com a barriga com esse cenário de subida de juros, não atuar enquanto as expectativ­as mal ou bem estão descoladas, mas ainda estão dentro da banda, é que você acaba tendo de subir mais e o impacto nas expectativ­as demora mais. Um BC menos crível acaba tendo de fazer um aperto maior. Já vimos isso na história. Quanto mais demorar, quanto mais descolada estiver a expectativ­a de inflação, maior é o tamanho do ciclo e o impacto negativo na atividade.

O Fed manteve os juros. Como a sra. vê a decisão?

O comunicado tentou deixar em aberto, não cravar, uma queda em setembro. Houve poucas mudanças, mas elas mostram um viés de corte de juros, porque você tem (no comunicado)

que o aumento do emprego, que antes era forte, agora moderou. O desemprego está baixo, mas subiu, e houve algum progresso em relação à inflação. Mas o mais importante é que eles estão olhando com atenção os riscos dos dois lados do mandato

(do Fed). E, antes, olhavam para os ricos da inflação. Agora, estão olhando para o risco de o desemprego subir muito mais ou, talvez, mais rápido. Durante a coletiva de imprensa, ficou um pouco mais claro, porque o Powell

(Jerome Powell, presidente do Fed)

disse que os próximos passos vão depender dos dados. Eu acho que, no final das contas, apesar de (ele) tentar deixar em aberto, vai haver um corte em setembro. •

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WILTON JUNIOR / ESTADAO-19/11/2020

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