O Estado de S. Paulo

Escrita há meio século, letra de Adoniran ganha música

Samba Memória ‘Vou Pegar o Metrô’, criada em 1977, recebeu melodia do parceiro Eduardo Gudin e terá gravação oficial lançada no início de agosto

- DANILO CASALETTI

Ao se falar de Adoniran Barbosa (1910-1982), muitos puxarão pela memória o Trem das Onze, samba que estourou no carnaval de 1965 e se tornou uma de suas composiçõe­s mais conhecidas. Pudera. Traz a insólita história de um filho único que precisa se despedir da amada para não perder o último trem do dia para Jaçanã, o que desagradar­ia à mãe.

Adoniran, o maior paulistano sem sê-lo – ele nasceu em Valinhos, no interior de São Paulo –, cronista que era, também olhou para outro meio de transporte da metrópole: o metrô. Além de ter falado sobre o transporte urbano em Triste Margarida, voltou ao tema em outra música, que permaneceu inédita por quase 50 anos.

Vou Pegar o Metrô, letra publicada em uma reportagem assinada por Antonio Paulo Pavone para o extinto jornal Notícias Populares em 2 de maio de 1977, chega ao público no single que a Biscoito Fino lançará dia 6 de agosto, nos 114 anos de nascimento do autor.

A letra inédita foi encontrada pelo produtor de cinema Cássio Pardini em 2022, no acervo de Adoniran, construído ao longo de 40 anos por sua segunda mulher, Matilde de Lutiis, e entregue por Pardini ao músico Eduardo Gudin, parceiro de Adoniran.

A música fala sobre um sujeito que foi beneficiad­o pela inauguraçã­o da linha azul do metrô, em 1974, mas que, daí por diante, não poderá mais mentir ao patrão ou à namorada sobre os constantes atrasos do trem. A reportagem de 1977 afirma que Adoniran definia o novo sistema de transporte da cidade como “uma beleza”.

“O que tentei foi fazer a melodia como se fosse o Adoniran. Frase por frase. Uma vez ou outra, aparece a minha digital também. (As estrofes) são difíceis, tragicômic­as, meio chaplinian­as. Ninguém fez nada igual até hoje” Eduardo Gudin

Compositor

PARCEIROS. Com a letra em mãos, Gudin, apesar da intimidade de quem conviveu bastante com Adoniran (foi parceiro dele no samba Armistício), antes de criar a melodia começou a cantar inúmeras composiçõe­s do amigo. Gudin tem sobre as composiçõe­s de Adoniran e Paulo Vanzolini, de quem também foi parceiro, a percepção de que eles são a própria obra. “São compositor­es já completame­nte resolvidos. Eles têm a música e a letra dentro deles. Por isso relutei tanto em me tornar parceiro do Adoniran”, argumenta. “O que tentei foi fazer a melodia como se fosse o Adoniran. Fiz frase por frase. Vez ou outra, aparece a digital minha também, claro”, explica o compositor ao Estadão.

A letra é longa. São seis estrofes. O que, para Gudin, tornou a tarefa ainda mais árdua. “Além de tudo, elas são tragicômic­as, meio chaplinian­as, difíceis de fazer. Tanto que nunca ninguém conseguiu fazer nada igual até hoje”, afirma ainda ele. Gudin buscou uma melodia que trouxesse humor, mas sem escracho. “Acho que acertei. O Adoniran iria gostar do resultado.”

Gudin fez o teste de Vou Pegar o Metrô em duas apresentaç­ões no Sesc Pompeia em junho de 2023. Queria saber como o público reagiria. Para acompanhá-lo, chamou o Conjunto João Rubinato – esse é o verdadeiro nome de Adoniran –, que toca seus sambas desde 2010.

Na gravação oficial a ser lançada em agosto, com arranjos de sopros da flautista Maiara Moraes, Gudin toca violão e canta um trecho da letra. As vozes oficiais são de Cadu Ribeiro e Hilda Maria, ambos do conjunto; a produção é do jornalista Renato Vieira.

Tomás Bastian, idealizado­r do Núcleo Rubinato, diz que o público ovacionou Vou Pegar o Metrô no show. “Fizemos a primeira vez praticamen­te só em voz e violão, para a plateia aprender a letra. Repetimos três vezes.” Ele já havia feito um garimpo das inéditas do compositor em 2017, em editoras, na Biblioteca Nacional e consultand­o a única filha de Adoniran, a tradutora Maria Helena Rubinato. O material virou o disco-livro chamado Adoniran em Partitura: 12 Canções Inéditas.

Um recorte de jornal guardado por Matilde traz anotações a caneta feitas por Adoniran. Depois que a letra foi publicada, o autor fez alguns retoques que o tempo preservou. Por exemplo, deu nome ao personagem da letra, o “Nicanor”.

Uma oportunida­de para ouvir Vou Pegar o Metrô antes de 6 de agosto será o show Histórias das Malocas: Adoniran e o Radioteatr­o, que o Conjunto João Rubinato fará no Sesc Vila Mariana em 19 de julho. Gudin vai participar. •

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HELTON ALTMAN Eduardo Gudin e Adoniran Barbosa em foto de 1982, meses antes da morte do compositor

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