‘Precisamos reconsiderar a cidade como natureza’
No cenário em que as cidades abrigam a maior parte da população global e são responsáveis por pelo menos 70% das emissões de gases de efeito estufa, o urbanista australiano Adrian McGregor defende que a oposição entre o ambiente urbano e a natureza precisa ser repensada. Para isso, ele utiliza o conceito de biourbanismo, um modelo de planejamento urbano centrado na natureza no qual a cidade é vista como um ecossistema complexo, formado por 10 sistemas interconectados: cidadãos, economia, energia, infraestrutura, mobilidade, tecnologia, água, resíduos, paisagem e alimentos. McGregor é autor do livro Biourbanism: Cities as Nature e fundador da McGregor Coxall, empresa de planejamento urbano, arquitetura e paisagismo que tem atuado no desenvolvimento de novas cidades na China e no Oriente Médio e em projetos de adaptação climática em Tóquio (Japão), Bristol (Reino Unido) e Sydney (Austrália).
O que o levou ao biourbanismo e o que esse trabalho tem de diferente?
Às vezes se referem a mim como biourbanista e outras vezes como futurista urbano. Ter passado minha carreira trabalhando para criar resultados sustentáveis em cidades e comunidades me levou à teoria do que faz nossas cidades funcionarem e como podemos torná-las melhores, mais prósperas. Somos ensinados sobre a ecologia e os ecossistemas das florestas, desertos, tundras. Mas o que aconteceu no Antropoceno, que é a era do Homo sapiens, é que impactamos os biomas selvagens ao redor do planeta de tal forma que eles quase não existem mais da maneira como foram originalmente classificados. Percebi que a construção das cidades pelos seres humanos não difere de qualquer outro animal construindo seu hábitat para viver, como um castor construindo uma represa. Precisamos re
considerar as cidades como natureza. Elas estão na troposfera e biosfera na Terra – não são o tipo de natureza que aprendemos na escola, mas nós as construímos e operamos do modo como muitos outros animais fazem.
Como trabalhar com a natureza e não contra?
Precisamos entender como nossas cidades funcionam e trabalhar com essas funções. O modelo do biourbanismo é fundamentado em 10 sistemas, 5 biossistemas e 5 sistemas urbanos. Começamos a entender a cidade como um sistema, é o mesmo conceito que aplicamos à natureza. Entender como as partes se encaixam, como contribuem umas com as outras e o que compõe uma grande cidade. Uma vez que entendemos os sistemas, podemos medir seu desempenho, medir nosso impacto e tentar reparar as áreas que danificamos para aumentar sua prosperidade. Sabemos que as cidades mais saudáveis do mundo desfrutam de alta prosperidade e excelente saúde dos cidadãos. São coisas intrinsecamente conectadas. Em cidades que funcionam bem, cada um dos sistemas apoia o outro, assim como acontece na natureza.
Como se dá a aplicação disso no seu trabalho?
Criamos um laboratório de biourbanismo que está implementando o modelo de sistemas. O laboratório cria gêmeos digitais, uma espécie de versão digital da cidade física, executa simulações e análises dentro desses gêmeos para nos informar qual é o cenário futuro provável e como devemos projetar a cidade a partir de agora. Esses modelos são realmente poderosos e úteis para testar o que pode acontecer sob certas condições e, em seguida, criar planejamentos e políticas benéficos à cidade. Agora podemos construir um gêmeo digital da cidade e importar as informações climáticas do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), projetando para 2050 ou até 2100 para entender, a partir desses dados, qual será a temperatura na cidade no futuro, se a precipitação aumentará ou diminuirá e outros fatores específicos. Nossas equipes de planejamento usam essas análises para criar planos de resiliência climática. É dessa forma que estamos trabalhando para ajudar as cidades a se adaptar a climas extremos, que têm piorado cada vez mais com o aumento das temperaturas. Em Tóquio, estamos desenvolvendo um projeto na orla marítima, que está sujeita a inundações e ao aumento do nível do mar. O projeto eleva o nível do local para que fique acima dos futuros níveis de água, considerando a elevação projetada do nível do mar. Em termos de calor, analisamos a temperatura futura e planejamos como sombrear as áreas públicas da cidade para reduzir a temperatura onde isso for importante. Além disso, estamos considerando os ventos e tufões que atravessam a costa, analisando a velocidade do vento e seu impacto potencial nas áreas públicas e nos edifícios. •
Gêmeos digitais
Versão digital da cidade física permite simulações e análises sobre qual é o cenário futuro provável