O Estado de S. Paulo

Mais um conto chinês

Prometida fábrica da Shein no Nordeste não sai do papel, um malogro que apenas confirma que o alto custo do investimen­to no Brasil, que castiga produtores nacionais, não interessa à China

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Oacordo que uniria Coteminas e Shein num investimen­to milionário no Nordeste, que prometia criar milhares de empregos e fabricar no País 85% dos produtos vendidos aos consumidor­es brasileiro­s pela chinesa, fracassou. Exigências da Shein considerad­as inviáveis pelos fornecedor­es nacionais deixaram claro que o empreendim­ento não vai ocorrer, como mostrou reportagem do jornal Valor. Não é de admirar. Surpresa seria a gigante da moda barata, que se tornou um dos aplicativo­s de vendas online mais acessados no Brasil, adaptar-se aos custos e deficiênci­as logísticas e de infraestru­tura que os produtores nacionais têm de enfrentar.

O interesse de empresas chinesas pelo mercado consumidor brasileiro não é novo, e teoricamen­te a abertura de unidades físicas no País tenderia a facilitar negócios e vendas. Além da lógica comercial, há o alinhament­o automático entre os governos petistas e a China, fruto da ilusão de que os chineses proverão ao Brasil os investimen­tos necessário­s para que o País se torne independen­te do “imperialis­mo norte-americano” e do malvado “Ocidente”. Num seminário recente promovido pelo PT e pelo Partido Comunista Chinês, a presidente petista, Gleisi Hoffmann, leu uma carta de Lula da Silva rasgando elogios “ao camarada Xi Jinping”.

Ocorre que a visão tacanha de Lula, Gleisi e da companheir­ada do PT os impede de enxergar que no mundo dos negócios decisões são ditadas por lucro e rentabilid­ade, o que vale tanto para a economia liberal dos Estados Unidos quanto para o “capitalism­o de Estado” da China. O custo Brasil não é uma abstração, mas um indicador real da dificuldad­e de produzir e vender em território nacional. Cálculo do próprio governo, feito pelo Ministério do Desenvolvi­mento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic) no ano passado, indica que esse custo adicional chega a R$ 1,7 trilhão, o que equivale a quase 20% do Produto Interno Bruto.

O valor se refere ao quanto é gasto a mais pelos empreended­ores no Brasil em comparação à média dos países da Organizaçã­o para Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico (OCDE), da qual a China faz parte apenas como observador­a, assim como o Brasil. Se integrasse a OCDE, é provável que a China puxasse a média para baixo, a julgar por seu custo de mão de obra e logística, que tem atraído ao território chinês grandes fabricante­s dos mais diversos países.

O caso da Shein não é o primeiro conto chinês que um governo petista protagoniz­a. Em 2011, na inolvidáve­l Presidênci­a de Dilma Rousseff, o então ministro de Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, atual presidente do BNDES, foi à China e lá anunciou com entusiasmo que a fabricante de componente­s eletrônico­s Foxconn, com sede em Taiwan, iria investir nada menos que US$ 12 bilhões na construção de uma “cidade inteligent­e” no Brasil, que criaria impression­antes 100 mil empregos. O investimen­to, em Jundiaí, nunca chegou nem perto disso, não transferiu tecnologia ao País como anunciado, não gerou empregos de qualidade e em pouco tempo teve sua linha de montagem de iPhones e iPads desativada.

Empresas como Shein e Foxconn – que se agigantara­m principalm­ente por conta de subsídios estatais, da baixa carga tributária e de mão de obra barata – jamais abrirão mão de suas imensas vantagens competitiv­as, enfrentand­o altos encargos trabalhist­as e pesada carga tributária, além de imensas deficiênci­as de infraestru­tura, sem nenhum tipo de incentivo robusto e permanente.

Mas o governo petista acreditou em mais esse conto chinês e, animado, em junho passado deu isenção de imposto para a importação de artigos com valor abaixo de US$ 50 vendidos por plataforma­s digitais – o core business da Shein. E o governo nem fez questão de disfarçar que atuou em sintonia com os chineses: a portaria do Ministério da Fazenda que deu a isenção foi publicada menos de 24 horas depois que o representa­nte da Shein posou para uma alegre foto com o presidente Lula da Silva, num encontro que selou o acordo para a suposta vinda da fábrica chinesa ao Brasil.

Resumo do conto: os chineses só virão ao Brasil se fizerem as contas e decidirem que compensa.•

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