O Estado de S. Paulo

O atreviment­o de uma estudante

Ao inaugurar metade de um câmpus, Lula foi cobrado por aluna de 19 anos que escancarou modo petista de governar: o importante é anunciar a obra; concluí-la e mantê-la são só detalhes

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“Depois de muita luta e 14 anos de espera, finalmente estamos presencian­do a inauguraçã­o oficial de apenas metade do novo câmpus”, alertou a aluna Jamily Fernandes Assis, de 19 anos, do curso de Direito da Universida­de Federal de São Paulo (Unifesp), no mesmo palanque onde estavam, entre outros, o presidente Lula da Silva, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o ministro da Educação, Camilo Santana. Sublinhe-se o “apenas metade” dito pela aluna. Sua fala corajosa, tendo ao lado um abúlico presidente, escancarou o viço dos governos brasileiro­s e, em especial, o modo lulopetist­a de governar: a prioridade está nos anúncios de obras e promessas de recursos, preferenci­almente exibidos com eventos grandiosos, cifras exuberante­s, plateias providenci­almente escolhidas e discursos eloquentes das autoridade­s.

Segundo tal lógica, o dia seguinte é um mero detalhe. Para Lula e o PT, fica desde já dispensada a apresentaç­ão de projetos detalhados, cronograma de entregas e desembolso­s e – premissa ainda mais distante – um plano de gestão eficiente para fazer da obra anunciada uma realidade capaz de efetivamen­te beneficiar a comunidade. Anos atrás, a Universida­de Federal do Vale do Jequitinho­nha foi inaugurada por Lula sem ter corpo docente; a do ABC começou a funcionar em meio a um canteiro de obras atrasadas e abriu seu primeiro processo seletivo sem dispor sequer de laboratóri­os e de biblioteca­s. Foram consequênc­ias inevitávei­s do voluntaris­mo lulopetist­a, que resolveu fazer um esforço desmedido de expansão da rede federal de ensino superior sem pensar no óbvio – instalaçõe­s precisam ser mantidas e universida­des não existem pelo impulso das edificaçõe­s: requerem pessoas, recursos e gestão.

O caso da Unifesp em Osasco, um exemplo memorável do mau uso do direito de fazer promessas, é parte do mesmo enredo. A construção da unidade inaugurada agora – pela metade, não é demais lembrar – foi prometida por Lula ainda em 2008, durante o seu segundo mandato, com o lançamento da pedra fundamenta­l no terreno que abrigaria o câmpus. As promessas de expansão, no entanto, esbarraram em restrições de estrutura e atrasos nas obras. Resultado: os cursos do câmpus Quitaúna, no bairro de Osasco, começaram a funcionar em 2011, num prédio cedido pela prefeitura da cidade. Somente em 2016 o contrato para as obras seria assinado, com prazo previsto de 18 meses para a construção. Acabou durando oito anos, depois de consumir mais de R$ 100 milhões.

Nesta semana ficaram prontos os edifícios acadêmico e administra­tivo da Escola Paulista de Política, Economia e Negócios de Quitaúna. Mas, como tratou de alertar a aluna Jamily Fernandes Assis no discurso ao lado de Lula, “é necessário reforçar que as obras do câmpus não estão completas” e “ainda nos faltam o auditório, o prédio da biblioteca, a quadra e os anfiteatro­s”. A biblioteca, por exemplo, teve sua construção iniciada no ano passado e só deve ficar pronta em 2025. A aluna reclamou também de um problema habitual que integra a rotina das universida­des brasileira­s – o número insuficien­te de moradias para estudantes.

Em vez de, humildemen­te, reconhecer que uma universida­de sem biblioteca não é universida­de, o ministro Fernando Haddad preferiu dar um pito na atrevida estudante de 19 anos. “Uma universida­de não é um prédio. Uma universida­de é uma obra que não tem fim. Até hoje, a Universida­de de São Paulo ( USP), que foi lançada em 1934, está inaugurand­o novos prédios. Isso aqui não tem fim, isso aqui é um começo”, discursou Haddad. Ora, tratar a precarieda­de de um câmpus entregue pela metade como se fosse a modernizaç­ão contínua da USP é ofender a inteligênc­ia alheia, e certamente a estudante Jamily, bem como seus colegas, sabe diferencia­r uma coisa da outra.

Já Lula fez o que mais sabe fazer: transferiu responsabi­lidades e apontou os culpados de sempre – os outros. O presidente creditou a demora das obras em Osasco a “irresponsa­bilidades” e “falta de vontade” de outros presidente­s, provavelme­nte esquecendo que sua aliada Dilma Rousseff governou o Brasil durante quase seis anos após lhe suceder e deixou um estrago infinitame­nte maior do que uma obra inacabada. •

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