O Estado de S. Paulo

‘Ainda Temos o Amanhã’ é filme simples e sincero

Cinema Em cartaz Paola Cortellesi, que estreia na direção, dá tom neorrealis­ta à história de uma mãe vítima de uma família machista e agressiva

- LUIZ ZANIN ORICCHIO

Olhar Ainda que centrada na liberação feminina, produção evita discurso panfletári­o

Salta à vista o tom neorrealis­ta de Ainda Temos o Amanhã (C'è Ancora Domani), dirigido e interpreta­do por Paola Cortellesi. Grande sucesso na Itália, é a estreia de Paola, conhecida apresentad­ora de TV, na direção. Vendeu mais de cinco milhões de ingressos, superando o reposicion­amento da marca Barbie, pelo menos no mercado italiano. Uma façanha.

Estamos no pós-guerra, no âmbito de uma família proletária. A dona de casa Delia (interpreta­da pela própria Paola ) é uma mulher oprimida. Pelo marido, que a acorda com uma bofetada, pelos filhos exigentes, pela vida difícil, por um sogro abusador que vegeta num dos quartos da casa. Vive um inferno feminino, comum no ambiente machista da sociedade italiana. Sociedade, aliás, que concedeu o direito de voto às mulheres apenas em 1946 (!). Paola trabalha com discrição tanto como diretora como atriz. O quadro neorrealis­ta, realçado pela foto em preto e branco, completa-se no foco dirigido às classes populares. Mas fica por aí, embora sugira algo que, em geral, falta à produção feminista contemporâ­nea – o indício de que a liberação passa por muita luta e completa-se pela via política.

Ainda que centrado sobre a liberação feminina, sabe evitar o anacronism­o típico dos panfletos contemporâ­neos. Viaja a um tempo já longínquo – 78 anos atrás – e respeita seu contexto, embora lhe seja crítico.

O filme conquista por sua simplicida­de, termo que rima com sinceridad­e. Prepara um desfecho que provavelme­nte para os italianos, mas sobretudo para as italianas, pode ter valor de catarse. Fecho emocionant­e, talvez responsáve­l, pelo menos em parte, por seu surpreende­nte desempenho de bilheteria na península. Essa emoção e a sinceridad­e encobrem algumas limitações, tais como o tom caricatura­l posto nos retratos masculinos da obra. Algumas tentativas de humor não parecem muito felizes, e nem muito menos engraçadas, pois a ênfase, claro, situa-se em outra parte. Somem-se alguns pontos, subtraiam-se outros, e o resultado ainda será bem positivo. •

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PANDORA FILMES Também em cena, Paola Cortellesi se dirige às classes populares em longa com fecho emocionant­e

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