O Estado de S. Paulo

‘Sistema financeiro do Brasil é um dos mais seguros’

Para executivo do FGC, padrão de supervisão do setor já é um ‘benchmark internacio­nal’

- SONIA RACY

Grande escola Para o CEO, o Proer foi ‘uma grande escola’ para a reorganiza­ção do nosso sistema bancário

Asimples conjectura, tornada pública, sobre a saúde de um banco penaliza o sistema financeiro de qualquer país, bem como o de outros países caso esta instituiçã­o tenha braços internacio­nalizados. O Proer brasileiro, criado há 30 anos, é fruto deste temor. A quebra do Lehman Brothers em 2008, que provocou a maior crise financeira internacio­nal da história, também provocou reação dos americanos, que correram para montar algo parecido.

O fato é que a introdução do Plano Real gerou muita instabilid­ade pelos bancos, acostumado­s a viver de receitas atreladas à inflação. Alguns sobreviver­am, outros não. E, para dar uma maior segurança aos depositant­es, evitando saques seriais, o próprio sistema acabou criando uma maneira de garantir depósitos bancários, garantia esta que hoje soma até R$ 250 mil reais. Surgiu, com aprovação de lei, o Fundo Garantidor de Créditos, bancado pela iniciativa privada. Ele é composto de depósitos do próprio sistema financeiro, que fez do FGC seu “hedge” contra corridas rumo a saques. Hoje, o depositant­e se sente mais seguro com o “seguro” do FGC.

No comando do Fundo Garantidor de Créditos do País desde 2019, o economista Daniel Lima vai ao ponto: a tarefa é “prover segurança para clientes, bancos e, assim, proteger os interesses da sociedade”. No Brasil, ele vê esse trabalho como missão cumprida. Nosso sistema financeiro “é supersegur­o, altamente fiscalizad­o. Nosso padrão de supervisão é um benchmark internacio­nal, e isso resulta num sistema mais estável e tranquilo”.

A cada três meses, Lima vai à Suíça para uma reunião em que os fundos garantidor­es de bancos de todo o mundo debatem seus problemas. Hoje, um tema importante na pauta é até que limite “se deve salvar bancos pequenos e médios, assim como se faz com os grandes”, aponta ele nesta entrevista a Cenários. Na dúvida, os EUA acabam de salvar um banco de Silicon Valley, que para o tamanho do mercado americano é, no máximo, de porte médio. A seguir, os principais trechos da conversa.

Como funciona o Fundo Garantidor de Créditos? Ele administra um mecanismo de proteção a investidor­es e depositant­es. Quando o Banco Central decreta a liquidação de um banco, fazemos um pagamento aos beneficiár­ios da garantia do FGC, até o limite decidido pela regulament­ação do Conselho Monetário Nacional – hoje esse valor é de R$ 250 mil por CPF, por CNPJ. Mas temos um outro produto novo, chamado DPGE, voltado ao público institucio­nal, com limite de R$ 40 milhões.

O FGC é privado?

Sim, uma associação privada sem fins lucrativos. Não é um fundo tradiciona­l. A instituiçã­o financeira que põe dinheiro no FGC não vira um cotista. Esses recursos são destinados a prover um serviço público, que é a proteção aos depositant­es em caso de liquidação dos bancos. O conselho de administra­ção é 100% independen­te e tem o Banco Central e o Conselho Monetário Nacional envolvidos na sua governança. O estatuto e o regulament­o do FGC são anexos de resolução do Conselho Monetário.

Esses R$ 250 mil são um valor maior que os padrões internacio­nais?

Sim, muito maior. Se a gente calcula o limite como proporção do PIB per capita, em 2013 essa razão chegou a mais de dez vezes, enquanto o patamar internacio­nal estava entre duas e quatro vezes esse PIB. Hoje, estamos em mais ou menos em seis vezes o produto per capita.

Em um exemplo prático, o FED americano poderia ter salvo o Lehman Brothers, em 2008?

Hoje eu acho que isso está claro. Salvariam, com certeza.

E, no caso do Brasil, podese dizer que nosso sistema é seguro?

Ele é internacio­nalmente reconhecid­o como supersegur­o. E o Proer, criado aqui em 1995, para além de toda a parte conhecida, de refinancia­mento dos bancos, da reorganiza­ção do sistema bancário, também foi uma grande escola para a atividade de supervisão brasileira. O BC desenvolve­u coletas de informaçõe­s dos bancos que até hoje são diferencia­das dos parâmetros internacio­nais.

Quem faz a gestão e qual o montante atual do FGC? Temos atualmente um patrimônio na ordem de R$ 130 bilhões, sendo cerca de R$ 12 bilhões em operações de assistênci­a. É importante dizer que o FGC zela pelo interesse da sociedade e não necessaria­mente do banco. Não é uma associação de classe. Protegemos a estabilida­de do sistema provendo segurança aos clientes dos bancos, para os depositant­es. A receita no ano passado, por exemplo, de quase R$ 15 bilhões, foi para a própria reserva do fundo. O FGC não busca o lucro, mas a boa administra­ção dos recursos. Para as pessoas saberem que temos como cobrir crises sem corridas bancárias.

Para evitar corridas aos bancos para saques?

Isso. Em 2022, o Prêmio Nobel de Economia foi dado a três economista­s que estudavam corridas bancárias. Você tem muitos bancos na ativa, grande parte dá lucro. Mas suponha que um deles tem um problema e você é cliente. Passa a temer o contágio. E, só de desconfiar, sua tentação é sacar até o dinheiro que tem em banco saudável. Se todos fizerem isso, esse banco vai quebrar, porque o dinheiro não está lá – ele foi emprestado, o banco capta para emprestar. Mas, se a pessoa sabe que tem um mecanismo de proteção robusto, ela não precisa ir lá sacar, pois, mesmo que o banco quebre, o mecanismo de proteção vai ressarci-la. Assim você já diminui a incerteza do mercado e o sistema se mantém estável.

Na Europa há algo parecido? Sim. Faço parte da Associação Internacio­nal dos Fundos Garantidor­es de Depósito, que fica na Suíça. Nos encontramo­s trimestral­mente para discutir os problemas dos fundos garantidor­es do mundo inteiro. Hoje, são mais de 100 associados, mais de 100 países que dispõem de mecanismos de proteção. Tem no grupo mecanismos privados, mecanismos públicos, as formações são diversas. •

NA WEB

No Facebook e no Twitter do ‘Estadão’, no LinkedIn, no YouTube do ‘Estadão’ e no YouTube do Banco Safra. www.estadao.com.br

 ?? ARQUIVO PESSOAL ?? Hoje há sistemas como o FGC em cerca de 100 países, diz Daniel Lima
ARQUIVO PESSOAL Hoje há sistemas como o FGC em cerca de 100 países, diz Daniel Lima
 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil