Risco fiscal e juros nos Estados Unidos redefinem projeções para dólar e Bolsa
Com incertezas domésticas e no exterior, a cotação-alvo para a moeda americana foi a R$ 5,13 neste ano; para o Ibovespa, o patamar agora varia de 135 mil a 150 mil pontos
“O risco fiscal está sendo mais precificado pelo mercado, e consideramos que a dívida líquida do Brasil está bastante elevada” Cláudia Moreno Economista do C6 Bank
O Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu na última quarta-feira manter a taxa Selic a 10,5% ao ano. A decisão já era esperada pelo mercado em razão das incertezas quanto às contas públicas que elevaram o risco fiscal no Brasil. A indefinição sobre a trajetória dos juros nos Estados Unidos, com o Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) ainda resistente para dar início ao ciclo de queda, também minou o ambiente doméstico. Diante desse cenário, as corretoras vêm ajustando suas estimativas para o Ibovespa e o dólar.
Essas revisões começaram ainda em abril, após a mudança das metas fiscais para 2025 e 2026. A meta para as contas públicas foi reduzida de um superávit de 0,5% no Produto Interno Bruto (PIB), em 2025, para 0%. Para 2026, o superávit de 1% do PIB foi revisto para 0,25%. As alterações aconteceram poucos meses depois da implementação do arcabouço fiscal e, desde então, o mercado cobra do governo um maior comprometimento com o controle das contas públicas.
A tensão havia avançado ainda mais antes da reunião do Copom na semana passada. No dia 12, em um evento para investidores, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que estava “colocando as contas públicas em ordem para assegurar o equilíbrio fiscal”, mas que não conseguia “discutir economia sem colocar a questão social na ordem do dia”. A declaração não agradou ao mercado, que identificou no chefe do Planalto uma postura mais propensa a expandir os gastos públicos. A reação pressionou o dólar, que fechou o dia a R$ 5,40, após uma alta de 0,83%.
A cotação da moeda americana só recuou quando o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, manifestou a intenção do governo de reavaliar gastos, mas ainda permaneceu acima dos R$ 5,40. Já na véspera da reunião do Copom, o presidente Lula voltou a criticar a condução da política monetária pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Em entrevista à rádio CBN, o Lula afirmou que Roberto Campos Neto “tem lado político” e “trabalha para prejudicar o Brasil”.
Nesse ambiente, a saída dos investidores estrangeiros da Bolsa brasileira rumo a outros mercados emergentes, como a Índia e México, além dos ativos de renda fixa dos Estados Unidos, também pressionou o câmbio e o desempenho do Ibovespa neste primeiro semestre. Segundo os dados recentes da B3, a saída líquida de recursos por estrangeiros passa de R$ 41,7 bilhões no ano.
DÓLAR. Diante desse cenário, as chances de a moeda americana encerrar o ano abaixo de R$ 5 diminuíram muito. Agora, a maioria das corretoras e bancos estima o dólar entre R$ 5 e R$ 5,30. As mudanças influenciaram nas projeções do boletim Focus (compilação do Banco Central das estimativas do mercado) para o câmbio de 2024, que agora apontam para R$ 5,13 – eram de R$ 4,92 em janeiro, e de R$ 5 no fim de abril.
“O risco fiscal está sendo mais precificado pelo mercado, e consideramos que a dívida líquida do Brasil está bastante elevada. A perspectiva é de que ela continue subindo. Por isso, vemos que a depreciação do real veio para ficar”, diz Cláudia Moreno, economista do C6 Bank.
Na sexta-feira, o dólar encerrou o dia cotado a R$ 5,44. Ou seja, com base nas novas estimativas do Focus, a tendência é de que o câmbio recue nos próximos meses, mas se descarta uma forte desvalorização.
Há ainda a expectativa de que o Fed inicie o ciclo de queda de juros nos EUA em 2024, entre novembro e dezembro, segundo as projeções do mercado. Caso isso se concretize, a tendência é de um enfraquecimento do dólar até o fim de 2024. “A política monetária nos EUA tem sido até aqui a grande responsável pela forte desvalorização da moeda local frente ao dólar em função do enxugamento significativo da liquidez mundial que tem gerado”, diz Matheus Pizzani, economista da CM Capital.
BOLSA.
Depois de quatro semanas seguidas em queda, a Bolsa brasileira voltou a respirar. Na sexta-feira, o Ibovespa (principal índice da B3) encerrou o dia em alta de 0,74%, aos 121.341 pontos, o que resultou num avanço de 1,40% na semana – recuperação ajudada pela diminuição da tensão com a decisão unânime do Copom de manter a Selic em 10,5%, vista como um primeiro passo para a reconquista da credibilidade do BC.
Os patamares de 160 mil a 170 mil pontos para o Ibovespa projetados no início do ano, porém, agora são desconsiderados. A pontuação esperada para o índice passou a ser entre 135 mil e 150 mil pontos, conforme as projeções mais recentes do mercado (veja quadro ao lado). “Reduzimos o valor justo do Ibovespa devido às taxas de juros mais altas, mas continuamos vendo as ações brasileiras como atrativas”, disse a XP, em relatório.
Além do cenário macroeconômico desafiador, os ruídos relacionados à interferência do governo em algumas empresas influenciaram a mudança no patamar alvo do índice. Caiu muito mal no mercado, por exemplo, a tumultuada decisão da Petrobras de não distribuir os dividendos extraordinários em março. Em maio, nova surpresa: o presidente Lula demitiu Jean Paul Prates da presidência da estatal. A saída já era ventilada há algum tempo, e a nomeação de Magda Chambriard atende à cobrança por maior velocidade na execução dos projetos de investimento da. Esses eventos explicam em boa parte por que o Ibovespa ainda cai 0,62% em junho, e 9,57% desde o início do ano. •