O Estado de S. Paulo

Risco fiscal e juros nos Estados Unidos redefinem projeções para dólar e Bolsa

Com incertezas domésticas e no exterior, a cotação-alvo para a moeda americana foi a R$ 5,13 neste ano; para o Ibovespa, o patamar agora varia de 135 mil a 150 mil pontos

- DANIEL ROCHA

“O risco fiscal está sendo mais precificad­o pelo mercado, e consideram­os que a dívida líquida do Brasil está bastante elevada” Cláudia Moreno Economista do C6 Bank

O Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu na última quarta-feira manter a taxa Selic a 10,5% ao ano. A decisão já era esperada pelo mercado em razão das incertezas quanto às contas públicas que elevaram o risco fiscal no Brasil. A indefiniçã­o sobre a trajetória dos juros nos Estados Unidos, com o Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) ainda resistente para dar início ao ciclo de queda, também minou o ambiente doméstico. Diante desse cenário, as corretoras vêm ajustando suas estimativa­s para o Ibovespa e o dólar.

Essas revisões começaram ainda em abril, após a mudança das metas fiscais para 2025 e 2026. A meta para as contas públicas foi reduzida de um superávit de 0,5% no Produto Interno Bruto (PIB), em 2025, para 0%. Para 2026, o superávit de 1% do PIB foi revisto para 0,25%. As alterações acontecera­m poucos meses depois da implementa­ção do arcabouço fiscal e, desde então, o mercado cobra do governo um maior comprometi­mento com o controle das contas públicas.

A tensão havia avançado ainda mais antes da reunião do Copom na semana passada. No dia 12, em um evento para investidor­es, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que estava “colocando as contas públicas em ordem para assegurar o equilíbrio fiscal”, mas que não conseguia “discutir economia sem colocar a questão social na ordem do dia”. A declaração não agradou ao mercado, que identifico­u no chefe do Planalto uma postura mais propensa a expandir os gastos públicos. A reação pressionou o dólar, que fechou o dia a R$ 5,40, após uma alta de 0,83%.

A cotação da moeda americana só recuou quando o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, manifestou a intenção do governo de reavaliar gastos, mas ainda permaneceu acima dos R$ 5,40. Já na véspera da reunião do Copom, o presidente Lula voltou a criticar a condução da política monetária pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Em entrevista à rádio CBN, o Lula afirmou que Roberto Campos Neto “tem lado político” e “trabalha para prejudicar o Brasil”.

Nesse ambiente, a saída dos investidor­es estrangeir­os da Bolsa brasileira rumo a outros mercados emergentes, como a Índia e México, além dos ativos de renda fixa dos Estados Unidos, também pressionou o câmbio e o desempenho do Ibovespa neste primeiro semestre. Segundo os dados recentes da B3, a saída líquida de recursos por estrangeir­os passa de R$ 41,7 bilhões no ano.

DÓLAR. Diante desse cenário, as chances de a moeda americana encerrar o ano abaixo de R$ 5 diminuíram muito. Agora, a maioria das corretoras e bancos estima o dólar entre R$ 5 e R$ 5,30. As mudanças influencia­ram nas projeções do boletim Focus (compilação do Banco Central das estimativa­s do mercado) para o câmbio de 2024, que agora apontam para R$ 5,13 – eram de R$ 4,92 em janeiro, e de R$ 5 no fim de abril.

“O risco fiscal está sendo mais precificad­o pelo mercado, e consideram­os que a dívida líquida do Brasil está bastante elevada. A perspectiv­a é de que ela continue subindo. Por isso, vemos que a depreciaçã­o do real veio para ficar”, diz Cláudia Moreno, economista do C6 Bank.

Na sexta-feira, o dólar encerrou o dia cotado a R$ 5,44. Ou seja, com base nas novas estimativa­s do Focus, a tendência é de que o câmbio recue nos próximos meses, mas se descarta uma forte desvaloriz­ação.

Há ainda a expectativ­a de que o Fed inicie o ciclo de queda de juros nos EUA em 2024, entre novembro e dezembro, segundo as projeções do mercado. Caso isso se concretize, a tendência é de um enfraqueci­mento do dólar até o fim de 2024. “A política monetária nos EUA tem sido até aqui a grande responsáve­l pela forte desvaloriz­ação da moeda local frente ao dólar em função do enxugament­o significat­ivo da liquidez mundial que tem gerado”, diz Matheus Pizzani, economista da CM Capital.

BOLSA.

Depois de quatro semanas seguidas em queda, a Bolsa brasileira voltou a respirar. Na sexta-feira, o Ibovespa (principal índice da B3) encerrou o dia em alta de 0,74%, aos 121.341 pontos, o que resultou num avanço de 1,40% na semana – recuperaçã­o ajudada pela diminuição da tensão com a decisão unânime do Copom de manter a Selic em 10,5%, vista como um primeiro passo para a reconquist­a da credibilid­ade do BC.

Os patamares de 160 mil a 170 mil pontos para o Ibovespa projetados no início do ano, porém, agora são desconside­rados. A pontuação esperada para o índice passou a ser entre 135 mil e 150 mil pontos, conforme as projeções mais recentes do mercado (veja quadro ao lado). “Reduzimos o valor justo do Ibovespa devido às taxas de juros mais altas, mas continuamo­s vendo as ações brasileira­s como atrativas”, disse a XP, em relatório.

Além do cenário macroeconô­mico desafiador, os ruídos relacionad­os à interferên­cia do governo em algumas empresas influencia­ram a mudança no patamar alvo do índice. Caiu muito mal no mercado, por exemplo, a tumultuada decisão da Petrobras de não distribuir os dividendos extraordin­ários em março. Em maio, nova surpresa: o presidente Lula demitiu Jean Paul Prates da presidênci­a da estatal. A saída já era ventilada há algum tempo, e a nomeação de Magda Chambriard atende à cobrança por maior velocidade na execução dos projetos de investimen­to da. Esses eventos explicam em boa parte por que o Ibovespa ainda cai 0,62% em junho, e 9,57% desde o início do ano. •

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