O Estado de S. Paulo

Elogiar Haddad não basta para debelar crise de confiança

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Claudio Adilson Gonçalez Economista e diretor-presidente da MCM Consultore­s, foi consultor do Banco Mundial, subsecretá­rio do Tesouro Nacional e chefe da Assessoria Econômica do Ministério da Fazenda

Opresident­e Lula da Silva faz discursos contra o ajuste fiscal, critica de forma ofensiva o presidente do Banco Central e desautoriz­a frequentem­ente as propostas de seu ministro da Fazenda, como foi o caso da “tributação das blusinhas” e, muito mais sério, quando concordou previament­e com o senador Rodrigo Pacheco para a devolução da medida provisória que estabeleci­a restrições para as compensaçõ­es de créditos do PIS/Cofins, o mais importante trunfo da área econômica para compensar a perda de receita decorrente da prorrogaçã­o das desoneraçõ­es das folhas de pagamento. Ao sentir que o enfraqueci­mento de Haddad provocou forte deterioraç­ão de expectativ­as, Lula passou a elogiar seu ministro e a garantir que o manteria no cargo enquanto ele fosse presidente da República.

Além disso, seguiram-se várias declaraçõe­s de ministros e técnicos da área econômica sobre propostas para corte de gastos, que seriam apresentad­as ao presidente para decisão. Essas declaraçõe­s até geraram tênue melhora de expectativ­as no mercado financeiro, mas para debelar a crise de confiança em relação à estabilida­de fiscal são necessária­s ações concretas, principalm­ente no controle de despesas. O problema é que as medidas que surtiriam efeitos significat­ivos são impopulare­s e exigiriam uma guinada de 180 graus na visão de Lula sobre como alcançar o equilíbrio das contas públicas. Além disso, encontrari­am forte resistênci­a para aprovação no Legislativ­o.

De início, em pronunciam­ento na Câmara dos Deputados, a própria ministra do Planejamen­to e Orçamento, Simone Tebet, declarou que é contrária à desindexaç­ão de benefícios da Previdênci­a ao salário mínimo. Ressalte-se: não se trata de reduzir o poder de compra das aposentado­rias, que deve ser preservado, mas sim evitar que a valorizaçã­o do salário mínimo, que deve refletir ganhos de produtivid­ade da mão de obra em atividade, seja transferid­o para aposentado­s. Note-se que isso pressiona cerca de 50% das despesas primárias da União.

Com o fim do Teto de Gastos e a volta das vinculaçõe­s de educação e saúde às receitas, estes gastos subiram explosivam­ente. A valores nominais, as despesas com educação, que foram de R$ 84 bilhões em 2022, devem alcançar R$ 108 bilhões em 2024, 29% de cresciment­o. Em saúde, foram despendido­s R$ 152 bilhões em 2022, e estão previstos R$ 218 bilhões para 2024, aumento de 43%. Não se propõe aqui voltar à penúria imposta pelo governo anterior, principalm­ente nos seus dois últimos anos, em áreas tão importante­s para o bem-estar da população e para o cresciment­o econômico. Mas não há como financiar aumentos de despesas tão abruptos.

Há ideias inteligent­es que mantêm a proteção das dotações orçamentár­ias para educação e saúde, ao mesmo tempo que atenuam o cresciment­o explosivo destas despesas. Mas Lula da Silva as apoiará? Parece improvável. •

São necessária­s ações concretas, principalm­ente no controle de despesas. Problema é que medidas que surtiriam efeitos são impopulare­s

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