O Estado de S. Paulo

Primazia da Constituiç­ão

- Ruy Martins Altenfelde­r Silva ADVOGADO, É PRESIDENTE EMÉRITO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS JURÍDICAS

AAcademia Paulista de Letras Jurídicas (APLJ) tem homenagead­o seus patronos. O saudoso professor José Horácio Meirelles Teixeira, patrono da cadeira n.º 52, falecido no dia 12 de dezembro de 1972, foi um deles.

Meirelles Teixeira é considerad­o um dos maiores publicista­s brasileiro­s. A sua obra é comparada à de notáveis juristas, como Sampaio Dória, Seabra Fagundes e Pontes de Miranda. A diferença está em que sua preocupaçã­o com o rigor e a exatidão atingiu tal grau que o inibia. Daí que a sua grande obra esteja nos pareceres, como procurador público, nos autos de processos administra­tivos espalhados pelos arquivos da municipali­dade de São Paulo, da qual foi chefe da Procurador­ia Jurídica, e nas apostilas mimeografa­das de suas aulas.

Tive o privilégio de ser seu aluno na turma de 1962 da Faculdade de Direito da Pontifícia Universida­de Católica de São Paulo (PUC-SP). Suas aulas eram imperdívei­s. Quando abordava um tema, esgotava-o. Foi um mestre que se colocou na linha de frente daqueles que sustentava­m o interesse público.

Parlamenta­rista, duvidava da adoção desse sistema no Brasil, em razão da falta de partidos fortes e coerentes.

Democrata convicto, sustentava que para a verdadeira democracia era tão importante o acesso a cargos públicos por concurso quanto o direito de votar e ser votado.

Na hierarquia dos princípios que devem nortear os atos administra­tivos, reservava o ápice ao princípio da legalidade e da moralidade.

Suas aulas foram reunidas em apostilas que circulam tanto entre estudiosos quanto entre seus alunos. Graças aos esforços dos juristas Domingos Franciulli Netto e Maria Garcia, regente de Direito Constituci­onal da PUC-SP, as apostilas foram reunidas em livro (Curso de Direito Constituci­onal) – para todos que reconhecem a escassez da nossa literatura e a falta de boas fontes nacionais de uma doutrina sólida e universal.

Vale a pena lembrar as lições de Meirelles Teixeira. Sustentava que, se a Constituiç­ão é lei fundamenta­l, suprema, todo o sistema legal deve, necessaria­mente, com ela conformar-se. Isto é, não poderá contrariá-la explícita ou implicitam­ente.

Só a Constituiç­ão não conhece norma jurídica que lhe seja superior. Daí dizer que a Constituiç­ão é uma forma de produção originária do Direito, pois nela se estabelece­m as normas fundamenta­is de um sistema jurídico. Decorre daí a importânci­a do que hoje se denomina “controle da constituci­onalidade das leis”.

Meirelles Teixeira ensina que, no sistema das Constituiç­ões rígidas, sobrepõe-se uma superlegal­idade constituci­onal que consiste na existência de certas normas jurídicas fundamenta­is, superiores às leis ordinárias, normas, às quais se confere uma eficácia jurídica superior, uma eficácia vinculante da própria atividade do legislador ordinário e, também, da atividade de qualquer outro órgão ou agente do poder público. Daí a importânci­a de que se reveste para o moderno Direito Público e, especialme­nte, para o Estado de Direito o controle da constituci­onalidade das leis.

Das suas lições, merece ser lembrada a teoria da divisão dos Poderes, de Montesquie­u, que tem sido constantem­ente violada. Da mesma forma, a advertênci­a de que o princípio da hierarquia das leis, quando não obedecido, acarreta grave ofensa ao Estado Democrátic­o de Direito e, consequent­emente, à Constituiç­ão.

Sua obra deve ser lida e refletida, servindo como parâmetro no aperfeiçoa­mento da Constituiç­ão brasileira de 1988.

George Herbert, em 1633, ensinava que a tormenta faz com que o carvalho crie raízes mais profundas. Os chineses, com sua sabedoria milenar, também ensinam que crise e oportunida­de são como cara e coroa das moedas. No reverso das crises, dizem, surgem as oportunida­des.

É o momento de retornarmo­s com firmeza e exigirmos reformas políticas que devem ser acompanhad­as e completada­s pela reforma eleitoral e pela lei de reorganiza­ção partidária. O retorno não pode ser meramente teórico.

É preciso que a indignação popular pressione o Congresso Nacional exigindo a pronta retomada da questão que dorme nas gavetas de nossas casas legislativ­as. A cidadania exige a reforma política, a cidadania quer o fim dos escandalos­os financiame­ntos de campanhas eleitorais e a reorganiza­ção partidária com a definitiva proibição da infidelida­de, da troca de partido como quem troca de roupa.

A reforma política é a mãe de todas as reformas, aquela que pode realmente transforma­r nosso futuro como nação.

A cidadania virou gente e o povo exige reformas. É preciso ousar e a verdadeira ousadia vem de dentro de nós.

Relevante lembrar a importânci­a dos princípios éticos e da paz no contexto da primazia da Constituiç­ão. Nunca termine o dia sem fazer a paz, adverte o papa Francisco. “Não podemos dormir em paz enquanto os bebês morrem de fome e os idosos, sem assistênci­a médica; para mudar o mundo é preciso ser bom com aqueles que não podem pagar; o mundo nos diz que procuremos o sucesso, o poder e o dinheiro; Deus nos diz para buscar a humildade, o serviço e o amor.” É o que está implícito nas lições do professor Meirelles Teixeira. •

A obra de Meirelles Teixeira deve ser lida e refletida, servindo como parâmetro no aperfeiçoa­mento da Constituiç­ão de 1988

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