Integração do registro de armas e maior controle são essenciais para desarmar criminosos
Número de civis armados mais que dobrou de 2018 a 2022; descontrole do Estado facilita contraventores
Em cinco anos, o número de armas legais em posse de civis no Brasil mais do que dobrou. Saltou de 1,3 milhão para quase 3 milhões, segundo registros oficiais de 2018 a 2022, levantados pelo Instituto Sou da Paz. Especialistas reunidos no Seminário Internacional sobre Segurança Pública, Direitos Humanos e Democracia, promovido pelo IREE e pelo IDP, afirmaram que parte desse arsenal foi parar nas mãos de criminosos por falta de fiscalização.
Um dos sistemas de registro de vendas de munição não é sequer gerido pelo governo e nem mesmo delegados têm acesso. Bruno Langeani, consultor sênior do Sou da Paz, informou que é possível adquirir arma no Brasil sem CPF do comprador ou com CPF de terceiros, inclusive de mortos e menores de idade. Uma auditoria do Tribunal de Contas da União feita em março deste ano, citada pelo especialista, indicou que 5 mil pessoas com Certificado de Registro de Armas de Fogo, no Exército, cumpriam pena e 3 mil tinham mandados de prisão em aberto.
“O que a gente está discutindo não é proibir a arma do civil, proibir a compra. O que a gente está dizendo é que a gente precisa entender o impacto que as armas de fogo têm na vida da população e a gente precisa encontrar um regulamento que faça sentido, que tenha uma fiscalização”, afirmou Langeani. O acesso de civis a armamentos sem controle gera, além do tráfico interno (quando as armas legais são tomadas ou vendidas a organizações criminosas), “intranquilidade no contexto de violência doméstica”. O estudioso citou a alta nos índices de feminicídio como exemplo.
Gestores e autoridades de segurança e defesa presentes no evento também concordaram que o rastreamento das armas apreendidas com criminosos e a integração dos registros e do controle são essenciais para se quebrar essa cadeia. “A melhor forma de iniciar um trabalho de investigação com relação ao comércio ilegal de arma de fogo é simplesmente por meio da correta identificação e do correto rastreamento”, disse o delegado Daniel Belchior, titular da Delegacia Especializada em Armas, Munições e Explosivos do Espírito Santo (Desarme).
A PF faz junto com o Exército os registros e controle das armas no País. No evento, o atual chefe da corporação apresentou dados junto com dois de seus antecessores, os ex-delegados-gerais Paulo Maiurino e Leandro Daiello.
Experiência internacional
Para reduzir a quantidade de armas legais em poder de civis, Chicago (Estados Unidos) – cidade com grande circulação de armas – adota um programa de recompra, de tempos em tempos. O mesmo programa foi formatado pelo Ministério da Justiça e da Segurança Pública, pelo ex-ministro Flávio Dino, mas ainda não saiu do papel.
A ex-prefeita de Chicago Lori E. Lightfoot foi uma das palestrantes. Segundo ela, programas de recompra são parte de uma estratégia mais ampla, mas defendeu que eles aproximam a população da polícia. “Ter a comunidade ao seu lado é a ferramenta mais poderosa. Muito mais que um distintivo ou uma arma.”
Lori E. Lightfoot contou que os cidadãos entregam o armamento sem identificação, em troca de até 200 dólares. Ele é desmontado, derretido e destruído. “As cidades são inundadas com armas e isso é um motor significativo da violência.”
A despolitização das Forças Armadas é uma coisa fundamental para que elas exerçam seu papel constitucional e sua responsabilidade em zelar pelo patrimônio brasileiro”
José Múcio Monteiro Filho, ministro da Defesa
Falar em segurança de faixa de fronteira sem falar em cooperação entre países fica muito difícil”
General Tomás Ribeiro Paiva, comandante do Exército
A gente tem que capacitar nossos policiais, melhorar a sua formação, principalmente, para crime cibernético, que é o terror. Ainda não nos conscientizamos dos riscos da inteligência artificial para o crime”
Fábio Pinheiro Lopes, diretor do Deic em SP
A insegurança e a violência começam destruindo a sociabilidade. Quando você começa a ter medo do próximo, quando começa a não acreditar em uma vida solidária, em seguida, a erosão é da própria democracia”
Raul Jungmann, ex-ministro da Segurança Pública
Operações muitas vezes são utilizadas por grupos corruptos dentro das instituições policiais ou mesmo como uma forma de medir a capacidade de resistência do tráfico de drogas e impor o pagamento de suborno”
Carolina Christoph Grillo, professora do IDP
Quando legaliza, tira um potencial perigoso, porque não há disputa por território e libera a polícia para tempo e energia em problemas maiores”
Bill de Blasio, ex-prefeito de Nova York
Criminalidade no Brasil é antes de mais nada uma questão de direitos humanos. Nós, os cidadãos comuns, não podemos sair às ruas, com medo de ser assaltados. Dois eixos que preocupam: crime organizado e violência urbana. Precisamos melhorar a sensação de segurança e dar algumas respostas mais incisivas ao crime organizado”
Mário Sarrubbo, secretário Nacional de Segurança Pública