O Estado de S. Paulo

‘Falta colocar alternativ­as de gasto na mesa e ter um pacto entre os Poderes’

Governo fica vulnerável ao não debater problemas fiscais, diz presidente do Tribunal de Contas da União Presidente do TCU, é mestre e doutor em Direito processual civil; foi consultor-geral do Senado Federal de 2007 a 2011

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AMANDA PUPO RENAN MONTEIRO

“Dez anos de presidente­s fracos fizeram isso (deram subsídios). Cada setor que tinha capacidade de fazer lobby no Congresso arrancou o seu naco do Orçamento”

No momento em que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é criticado pelo setor produtivo e se encontra isolado na agenda de contenção de gastos tributário­s, o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, defende o avanço da pauta, sob pena de o Brasil quebrar.

Em entrevista ao Estadão/Broadcast, Dantas fez um diagnóstic­o dos motivos que levaram a um esgarçamen­to da agenda, elevando a percepção de risco fiscal e a reação negativa do setor privado – que cobra um ajuste pelo lado das despesas.

O presidente do TCU também fez uma análise mais dura sobre o que levou o Brasil a ter um gasto tributário tão alto em proporção ao PIB. Para ele, “dez anos de presidente­s fracos” ou com falta de disposição para enfrentar a questão produziram esse cenário. A seguir, os principais trechos da entrevista:

O debate sobre desindexaç­ão do Orçamento esquentou de novo. Com a pressão dos gastos obrigatóri­os, parece que as regras fiscais no Brasil sempre acabam minadas por um problema que não é resolvido. Vê chance de esse paradigma ser quebrado?

Conseguimo­s ter diagnóstic­os muito precisos. Óbvio que o TCU já se pronunciou diversas vezes sobre grandes questões que o Brasil resiste em endereçar. Eu gosto de falar da necessidad­e de um ajuste na Previdênci­a, de uma reforma administra­tiva; mas talvez o assunto do qual eu mais fale – e, curiosamen­te, as pessoas não têm repercutid­o adequadame­nte – é que, com o volume de gasto tributário que nós temos, vamos levar o Brasil à bancarrota. Numa analogia, se você quer dar isenção para o sujeito da cobertura, o morador do primeiro andar vai ter de pagar mais condomínio.

O ministro Haddad tem batido nessa tecla. Mas o humor das últimas semanas pode indicar que o empresaria­do está dizendo que chegou ao limite dessa revisão de benefícios?

Os subsídios totais no Brasil estão se aproximand­o de 6% do PIB (dos quais, 4,8% de gasto tributário). Isso é insustentá­vel em qualquer lugar do mundo. Quando o presidente Lula assumiu (em sua primeira gestão), em 2003, esse gasto era de 2%. Com a crise de 2008, o governo investiu no consumo com uma política de desoneraçã­o muito forte. Mas não foi aí que nós chegamos a 6%. Nós chegamos a 6% no hiato de dez anos entre o impeachmen­t da presidente Dilma e a volta do presidente Lula. Ou seja, dez anos de presidente­s fracos produziram isso no Brasil. Cada setor que tinha capacidade de se organizar e fazer lobby no Congresso foi lá e arrancou o seu naco do Orçamento público.

E existe um comando constituci­onal para redução dos gastos tributário­s?

Foi a emenda do auxílio emergencia­l. Só que o governo aprovou a emenda e jogou para o futuro, porque o governo que aprovou a emenda constituci­onal aumentou o gasto tributário. E é com isso que o ministro Haddad está se deparando. Mas talvez o que esteja faltando é colocar todas as alternativ­as na mesa e ter um pacto nacional com o Executivo, as duas Casas do Legislativ­o e o Judiciário. Sentar todo mundo e falar o seguinte: ‘Nós vamos cortar 2% dos gastos tributário­s, mas nós também vamos fazer uma reforma da Previdênci­a, que corrija três pontos, que seja, e que renda algo como R$ 200 bilhões’. Se você corrige 2% do gasto tributário, isso equivale a R$ 200 bilhões; mais R$ 200 bilhões de uma eventual desindexaç­ão da política do salário mínimo, nós estamos falando de R$ 600 bilhões. E, se fizermos uma reforma administra­tiva, acho que conseguimo­s mudar esse panorama.

Falta olhar para o quadro geral?

O que eu vejo é que o empresaria­do tem reclamado de olhar só para receita, né? Está faltando botar tudo na mesa. Tem de olhar o Simples (sistema de tributação simplifica­da para micro e pequenas empresas). Tem gente que está no Simples e que não deveria estar, né? Tem de olhar os grandes blocos de despesa. Por exemplo, a isenção da cesta básica: faz sentido caviar e salmão estarem na isenção da cesta básica? Faz sentido financiar o feijão do rico, ou era melhor cobrar imposto de todos e dar cashback para o pobre?

Foi o que a Fazenda tentou fazer na reforma tributária?

Perceba que são as mesmas pessoas que estão cobrando do ministro Fernando Haddad austeridad­e fiscal que não querem pagar imposto. Agora, o maior problema desse debate todo é fazer a discussão setorizada. Tinha de colocar na mesa todas as alternativ­as. ‘Olha, vocês querem reformas que cortem direito dos servidores públicos, que atinja a população? Ok, mas me mostra onde é que o andar de cima vai pagar conta também’. Tudo bem aumentar a idade mínima para aposentado­ria, que talvez seja necessário, mas qual é a contrapres­tação que o andar de cima vai dar?

O sr. acha que, se o governo fosse mais incisivo em relação a gastos, talvez o ministro Haddad não ficasse tão isolado na agenda por aumento da arrecadaçã­o?

É nesse sentido. Fazer os gestos também. Porque as pessoas não querem se sacrificar sozinhas. De novo, é a questão da MP (medida provisória) do crédito de PIS/Cofins. Por que o sujeito que tem crédito de PIS/Cofins vai pagar a conta dos 17 setores que têm desoneraçã­o? Esse empresário não entende por que está pagando a conta do outro. Não podemos perder de vista o todo. Se o governo começar a tentar atacar os problemas setorizada­mente, o setor que foi atacado se defende reagindo. Se não ficar claro que todo mundo vai ter de perder um pouco para que todos ganhem lá na frente. O risco fiscal hoje é pior do que o risco de inflação. E é isso que está elevando o juro longo.

Há alguma previsão de o TCU julgar a consulta do governo sobre a possibilid­ade de limitar o contingenc­iamento do Orçamento?

Acho que isso é um “não problema”. Não é prioridade. Se fosse um problema premente, certamente responderí­amos com rapidez. •

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WILTON JUNIOR / ESTADÃO-16/12/2022

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