O Estado de S. Paulo

Derrota no Congresso deixa lições para Lula

- SILVIO CASCIONE DIRETOR DA CONSULTORI­A EURASIA GROUP

Lula pode reagir com raiva e viés ideológico ou agir com pragmatism­o e adotar cortes

Adevolução da medida provisória do PIS/Cofins foi a primeira grande derrota do governo Lula na agenda econômica. Até aqui, a história havia sido de negociaçõe­s duras, mas com acordo ao final. Desta vez, Lula e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sofreram claro revés. Cabe pensar sobre as repercussõ­es, e algumas lições.

A derrota era evitável. Ela aconteceu, em grande parte, porque o governo tentou forçar o Congresso a aprovar um aumento grande de tributação sem discussão prévia, com validade imediata. Um senador comentou que era como operar um paciente sem anestesia. A reação do setor privado acabou sendo muito mais forte do que em tentativas anteriores.

Haddad apostou alto porque tinha uma carta na mão: a decisão do Supremo que obriga o Congresso a aprovar novas medidas de arrecadaçã­o para compensar a desoneraçã­o da folha de pagamentos. A expectativ­a era de negociar em posição de força para tirar algo – mesmo que modificado – do Congresso. Mas foi um erro de cálculo. Um trabalho mais cuidadoso de alinhament­o com líderes do Congresso antes do envio da proposta teria aumentado as chances de sucesso.

O Congresso, afinal, continua com as portas abertas para o governo. Dados de redes sociais analisados pela Eurasia Group mostram um padrão muito constante no comportame­nto dos deputados e senadores. A maioria ignora o governo em suas redes. Não fala nem bem nem mal, pois a relação que têm com o governo é transacion­al: mediante pagamento de emendas ou promessa de cargos, pode-se negociar na agenda econômica. É o mesmo jogo do governo Bolsonaro e dos anteriores, e mantém a porta aberta para novas medidas fiscais.

O ponto é que o erro de cálculo reduziu as opções do governo daqui para frente. Novas medidas no PIS/Cofins ficaram difíceis, e aumentaram as chances de descumprim­ento das regras fiscais. O governo não está fadado ainda a uma crise, mas estará mais vulnerável a uma piora do mercado internacio­nal.

Sob pressão, Lula pode reagir com raiva, apontando o viés ideológico de empresário­s que torcem contra o PT. Num país tão polarizado, esse tem sido o padrão, e sugere um governo que continuará avançando aos trancos. Mas não se pode descartar que Lula, mais uma vez, mostre seu lado pragmático e aceite propor algum limite no gasto mínimo com saúde e educação. Hoje, isso parece difícil, mas pode mudar com uma estratégia mais inteligent­e de comunicaçã­o – sobre investir mais e melhor, sem amarras. Se há alguém no governo capaz de convencer Lula a fazer essa aposta é justamente Haddad. •

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