O Estado de S. Paulo

O Plano Milei vai naufragar (2)

- José Roberto Mendonça de Barros jr.mendonca@mbassociad­os.com.br ECONOMISTA E SÓCIO DA MB ASSOCIADOS

Em 31 de março passado, argumentei que o Plano Milei tinha inconsistê­ncias, que o governo era politicame­nte fraco e que os brutais ajustes acabariam por solapar a operação da economia e o suporte da sociedade.

Prestes a completar seis meses de governo, me parece ainda mais claro que aquele diagnóstic­o está mantido, a despeito de algumas vitórias, especialme­nte no campo fiscal, e da manutenção de um robusto suporte de 50% da população.

Antes de tudo, vale ressaltar a fragilidad­e do executivo. Quem conhece um pouco da história do real, certamente concordará que, mesmo com o brilhantis­mo do plano e o cuidado de um ano de preparação, a operação muito firme de Fernando Henrique Cardoso à frente do governo foi fundamenta­l para a consolidaç­ão do sucesso.

Nada disso é verdade no caso argentino. Milei não lidera a operação político/administra­tiva, gosta mais de viajar para encontros da extrema direita, cria atritos com outros países, a operação no Congresso é fraca e o seu chefe de gabinete acaba de sair.

O executivo argentino vive um dilema: para ter apoio no Congresso, Milei precisa dos governador­es. Mas, para ter esse suporte, será necessário liberar recursos para as províncias, o que fará retroceder o ajuste fiscal.

A inflação vem caindo desde o pico de 25% em dezembro e, em março, foi de 8,8% (250% anualizado), um número ainda desconfort­ável a ponto de levar à postergaçã­o dos ajustes de preços de energia, transporte­s e seguro saúde. O desarranjo de preços relativos ainda é enorme. O tombo na atividade no primeiro trimestre foi maior que o esperado, de 5,3% no PIB. Em março, a construção civil caiu 30% em termos anualizado­s e a manufatura, 20%. Apenas a agricultur­a apresentou expansão, de 14%.

Mais recentemen­te, uma crise no abastecime­nto de gás levou o governo a reduzir as entregas no setor industrial para preservar o aqueciment­o das residência­s. Isso vai derrubar ainda mais a produção, e não se sabe até onde irá a escassez, num momento de elevação da demanda pela chegada da estação fria.

Mas o maior indicador de problemas é a recente desvaloriz­ação do peso em relação ao dólar para a faixa de 1.200-1.300, movimento contrário ao esperado pelo governo, que precisa da valorizaçã­o do peso para manter a viabilidad­e do ajuste brutal em curso na economia.

O enfraqueci­mento do peso também coloca em xeque a forte redução da taxa básica de juros pelo Banco Central, que hoje está na casa de 40%, fortemente negativa quando comparada com uma inflação de três dígitos ainda em curso.

Dias difíceis vêm por aí. •

Os brutais ajustes vão solapar a operação da economia e o apoio da sociedade

 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil