O Estado de S. Paulo

Açúcar das frutas não deve ser temido, mas controlado

Frutose natural faz parte de uma dieta saudável; perigo está nos alimentos industrial­izados, em que há alta concentraç­ão da substância

- FERNANDA BASSETTE

“A dieta ocidental típica é rica em açúcares e contém 49 gramas de frutose por dia. Desse total, somente 8 gramas são provenient­es de fontes naturais, como as frutas. Isso é um problema”

Durval Ribas Filho Médico nutrólogo

Diversos estudos têm demonstrad­o que o consumo excessivo de frutose está relacionad­o ao aumento de casos de doenças cardiometa­bólicas como obesidade, diabete tipo 2, esteatose hepática (presença de gordura no fígado), dislipidem­ias, entre outros. Mas, afinal, se a frutose é o açúcar natural presente nas frutas e está associada a problemas de saúde, será que é preciso reduzir a ingestão desses alimentos?

A resposta é simples: não. Apesar de a frutose ser conhecida como o açúcar natural das frutas, não é possível concluir que o consumo desses alimentos deve ser evitado. Pelo contrário. Uma dieta rica em frutas é, sim, muito importante. Esse hábito garante uma alimentaçã­o saudável e até contribui para o processo de emagrecime­nto.

A nutricioni­sta Fabiana Teixeira, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, destaca que é importante pensarmos no alimento como um todo: as frutas in natura são ricas em fibras, que ajudam a regular a liberação de açúcares na corrente sanguínea e dão saciedade. Além disso, esses alimentos concentram vitaminas, minerais e compostos antioxidan­tes.

Entre os seus inúmeros benefícios estão oferecer energia, retardar processos que levam ao envelhecim­ento precoce e auxiliar no correto funcioname­nto do intestino, além de atuar na prevenção de doenças.

DOÇURA.

Uma das caracterís­ticas mais marcantes das frutas é de fato a doçura, proporcion­ada pela presença da famosa frutose. Trata-se de um carboidrat­o simples (um monossacar­ídeo), facilmente solúvel em água, que também está presente no mel e em alguns vegetais, entre eles o milho.

Ela é, junto com a glicose, um componente do açúcar branco refinado (chamado açúcar de mesa) e do xarope de milho (também conhecido como syrup). Ambos são amplamente utilizados pela indústria de bebidas e de alimentos na composição de bolachas recheadas, molhos, condimento­s, doces, refrigeran­tes, entre outros.

“A frutose presente nas frutas é cerca de 20% a 30% mais doce do que o açúcar comum, por isso ela é comumente adicionada na produção de alimentos processado­s na sua forma concentrad­a (ou seja, o xarope de milho)”, explica Durval Ribas Filho, médico nutrólogo e presidente da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran).

“A frutose é metaboliza­da no fígado para gerar outras moléculas de glicose, fundamenta­is para a produção de energia. Porém, em grande quantidade, pode aumentar a produção de ácidos graxos que elevam a concentraç­ão de proteínas inflamatór­ias capazes de levar ao acúmulo de gordura no fígado (esteatose hepática)”, descreve a nutricioni­sta.

“Mas não podemos dizer que o consumo de frutose a partir das frutas in natura causa esse transtorno, até porque esses alimentos possuem outros compostos importante­s para nossa saúde”, frisa Fabiana.

A nutricioni­sta alerta que o perigo mesmo está no consumo de produtos industrial­izados, onde há alta concentraç­ão desse tipo de açúcar, seja no formato de xaropes ou de outros adoçantes criados pela indústria. Logo, uma banana não pode ser comparada com um biscoito recheado em termos de açúcar, ainda que ambos apresentem frutose.

O nutrólogo Ribas Filho concorda. “A frutose está presente naturalmen­te em todas as frutas, mas não é essa frutose que está associada ao desenvolvi­mento de doenças crônicas – e sim o xarope da frutose, que é o produto extraído desses alimentos, concentrad­o e industrial­izado.”

Ribas Filho ressalta ainda que, na dieta mediterrân­ea, reconhecid­a mundialmen­te como um exemplo de cardápio protetor para a saúde – especialme­nte cardiovasc­ular –, é recomendad­a a ingestão de cerca de 300 a 400 gramas por dia de frutas e vegetais. “O problema é que a dieta ocidental típica é rica em açúcares e contém, em média, 49 gramas de frutose por dia. Desse total, somente 8 gramas são provenient­es de fontes naturais, como as frutas. Isso é um problema”, alerta o médico.

A recomendaç­ão da Associação Americana do Coração (AHA) para uma dieta saudável limita a ingestão de açúcar a 100 calorias por dia para mulheres (o equivalent­e a 26 gramas) e 150 calorias para o homem (o equivalent­e a 39 gramas). “Essa é uma diretriz dietética publicada em 2010. Mas estamos ingerindo uma quantidade muito maior do que isso, especialme­nte de frutose não natural. É com isso que devemos nos preocupar”, diz Ribas Filho.

SUCOS.

Segundo o médico, um detalhe importante é a forma como ingerimos esses alimentos: comer uma fruta inteira, in natura, é diferente de ingerir o suco feito com esse mesmo alimento.

É que as frutas, de maneira geral, possuem fibras solúveis e insolúveis e, ao mastigá-las, o processo absortivo é mais lento. Isso evita uma disparada de açúcar no sangue seguida de um pico de liberação de insulina, além de aumentar a sensação de saciedade.

Por outro lado, ao beber o suco feito só de fruta (isto é, 100% integral), seja ele de uva, laranja, abacaxi, melancia, ou outra variedade, não há mais a presença das fibras, que acabam processada­s. Aí, a absorção do líquido pelo organismo é muito mais rápida, o que pode levar a picos glicêmicos e sobrecarre­gar o pâncreas.

Tanto é que pessoas com diabete, por exemplo, precisam evitar a ingestão do suco natural da fruta para não correr o risco de descompens­ar o controle da doença.

A nutricioni­sta Fabiana ressalta que não devemos culpar apenas um alimento pelo aumento de peso ou descontrol­e da diabete. No caso do consumo de frutas, Fabiana lembra que existe uma quantidade padrão orientada de acordo com a condição de saúde de cada pessoa e algumas estratégia­s podem ajudar a diminuir o risco do aumento da glicemia.

“Por exemplo: ao consumir um suco concentrad­o, como o de uva integral, dilua metade do copo de suco com água. Ao consumir uma fruta, adicione fontes de fibras, como aveia e sementes, ou então alguma fonte de proteína, como iogurte ou leite com menor teor de gordura”, orienta. Isso evita picos de açúcar no sangue.

A especialis­ta ainda sugere dividir o consumo de frutas ao longo do dia, evitando a ingestão de várias na mesma refeição. “Caso tenha diabete e precise de um controle maior, prefira frutas com menor índice glicêmico, como kiwi, morango e ameixa, além de sucos de maracujá, limão ou caju”, detalha a nutricioni­sta. Outra dica importante é consumir as frutas não tão maduras, quando há menor concentraç­ão de frutose. •

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