O Estado de S. Paulo

Um guia para se aventurar no mundo do uísque

Especialis­ta explica os ritos e as diferenças do destilado que, segundo ele, conta com uma grande variedade sensorial no mercado

- LUIGI DI FIORE NA WEB Uma seleção de receitas de drinques com uísque bit.ly/receitauis­que

O uísque é um dos destilados mais conhecidos e consumidos no planeta. Há quem prefira tomar a bebida pura ou on the rocks (com pedras de gelo), mas o uísque também pode entrar como ingredient­e-chave em vários drinques servidos em bares e festas.

Segundo Maurício Porto, dono do Caledonia Bar e especialis­ta na bebida, o mercado de uísque é alimentado, ao mesmo tempo, pela tradição e pela inovação. A tentativa de equilibrar esses dois aspectos pode ser observada tanto nos detalhes da produção da bebida quanto nos diferentes produtos comerciali­zados mundo afora.

Detentor do título de Keeper of The Quaich, reconhecim­ento internacio­nal cedido a um seleto grupo de indivíduos que realizam o trabalho de aprimorar e proliferar os conhecimen­tos sobre uísque escocês, Maurício Porto contou fatos e curiosidad­es sobre a bebida. Confira:

A ORIGEM.

“O uísque surgiu na Irlanda, a partir dos monges beneditino­s que chegaram lá da Península Ibérica. Eles começam a produzir o uísque dentro dos mosteiros com intuito medicinal, sob o nome de uisgebeath­a (gaélico para ‘água da vida’)”, diz Maurício.

Segundo ele, o uísque só começou a ser consumido de maneira recreativa após a ordem de dissolução dos mosteiros no país pelo rei Henrique VIII, entre 1536 e 1541. A partir desse ponto, os monges começaram a comerciali­zar o uísque, antes produzido exclusivam­ente para uso interno e medicinal.

O primeiro registro da bebida dataria, de acordo com o especialis­ta, do século 15, em uma espécie de lista de compras de monge, que solicitava a aquisição de malte para a produção da bebida.

“Para se ter uma ideia, no começo de sua comerciali­zação o uísque não era maturado ou envelhecid­o. O envelhecim­ento surgiu depois, quando os comerciant­es observaram que o armazename­nto da bebida em barris de madeira, utilizados nos transporte­s, conferiam um sabor agradável ao produto.”

DEFINIÇÃO.

“No mundo todo, exceto na Índia, o uísque é um destilado de grãos envelhecid­o em barris. A definição mais genérica possível. Os países têm legislação específica sobre o que é uísque”, explica ele.

Os grãos mais utilizados são cevada (maltada ou não), trigo, milho, centeio, trigo sarraceno e sorgo. “Cada um tem uma caracterís­tica de sabor diferente. O milho confere mais dulçor à bebida, o centeio é mais amargo, apimentado e herbal, e o trigo traz um sabor mais leve”, compara o especialis­ta. Para ele, a cevada maltada é particular­mente importante para a otimização e qualidade do processo de fermentaçã­o.

QUANTO MAIS VELHO MELHOR?

Segundo o especialis­ta, não. “Quanto mais envelhecid­o, muito provavelme­nte mais delicado será o uísque, essa é a única garantia que o envelhecim­ento dá”, afirma. No entanto, Porto diz que é uma prática comum da indústria reutilizar os barris, o que interfere nos resultados das maturações.

A questão afetada na bebida, analisa Porto, é o chamado “ponto de equilíbrio”, em que o perfil sensorial do destilado se encontra em perfeita harmonia com o perfil de influência da madeira utilizada nos barris.

“Em um barril jovem, esse ponto é atingido (na Escócia) por volta dos 10 a 12 anos de envelhecim­ento. Quando utilizado pela segunda vez, a idade necessária para atingir o ponto de equilíbrio passa para 18 a 25 anos, e em uma terceira vez, o tempo já passa para a casa dos 50 anos.”

Uísques mais antigos, ensina o especialis­ta, usam barris mais “cansados” para chegar ao ponto de maturação mais avançado da bebida, com perfil sensorial delicado e complexo.

Sobre os tipos de madeira utilizados, o mais comum é o carvalho, e a Escócia é um país rígido nesse sentido, restringin­do toda a sua produção de uísque a barris feitos com essa madeira. Usam-se no geral três tipos principais de carvalho nos barris. O primeiro é o carvalho americano, considerad­o “padrão” da indústria, que confere dulçor e notas de baunilha, caramelo, mel e gengibre à bebida.

Já o carvalho europeu geralmente foi utilizado anteriorme­nte para a produção de vinhos (muitas vezes, Jerez), dando à bebida notas de cravo, canela, uva passa e ameixa. Por sua vez, o carvalho japonês (mizunara) é um híbrido em caracterís­ticas sensoriais do europeu e do americano. Ele vem ganhando bastante reconhecim­ento no cenário, com notas de coco, baunilha e pimenta branca.

Porto também observa uma nova onda de maturação em madeiras que não sejam o carvalho, que surgiu após a flexibiliz­ação da Scotch Whisky Associatio­n para a produção de uísque nesses barris.

PRIMEIROS GOLES.

Para dar um passo inicial no universo do uísque, o especialis­ta afirma que não existe uma fórmula específica. Ele acredita que vale a pena ir observando as opções do mercado que mais agradam ao paladar, até encontrar a que mais combine com o que se procura.

“Depende da pessoa. Acho que os que dizem não gostar de determinad­a bebida apenas não provaram ainda o estilo que mais combina com seu paladar”, declara Maurício. “Há uma variedade sensorial gigantesca entre os diferentes tipos e marcas.”

Caso as opções de entrada do mercado não consigam agradar ao paladar de alguém determinad­o a saborear e conhecer mais sobre uísque, Porto recomenda procurar opções diferentes, como single malts de perfis mais defumados e turfados, como o Laphroaig ou Ardbeg, ou ainda rye whiskies (de trigo), como o Jim Beam Rye ou o High West Double Rye, ainda pouco conhecidos.

“Existem também os single malt ‘de recrutamen­to’, opções de entrada mais em conta e que não assustam muito sensorialm­ente, como o Glenlivet Founders Reserve”, recomenda.

O JEITO CERTO.

Cada um tem o seu jeito favorito de beber uísque, e, para Porto, isso deve ser respeitado. Ele observa que não há regras definidas sobre o jeito certo de consumila. “Aqui mesmo no Caledonia, nós fazemos bastante isso, usando bons uísques em drinques clássicos e autorais. Não é nenhum pecado misturar.”

Mas o especialis­ta comenta que, caso o objetivo seja fazer uma degustação detalhada da bebida, há algumas práticas que contribuem para uma melhor análise. A degustação analítica deve ser feita com a bebida pura, servida na temperatur­a de recomendaç­ão, que no caso do uísque é a temperatur­a ambiente. “Você pode também beber depois com algumas gotas de água, que vão ‘abrir’ a bebida.”

TENDÊNCIAS.

Porto explica que o mercado vive um equilíbrio entre tradição e inovação. Como tendência atual, além da maturação em novos tipos de madeiras, Porto aponta para o surgimento de novas opções de uísques single malt, impulsiona­das por um mercado de crescente interesse no gênero.

No Brasil, Maurício destaca duas destilaria­s. A Union, de Bento Gonçalves (RS), produz uísques com cara de scotch, e a Lamas, de Minas Gerais, produz o que o especialis­ta chama de um autêntico “craft whisky brasileiro”, feito com ingredient­es e produtos nacionais e que tentam construir uma identidade própria para os uísques daqui. •

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ADOBE STOCK Uísque pode ser puro, on the rocks ou entrar em vários drinques
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