O Estado de S. Paulo

Reaberta a querela da Foz do Amazonas

Magda Chambriard revela missão de perfurar no litoral do Amapá e pede debate de ministros

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Apresident­e da Petrobras, Magda Chambriard, foi bastante específica ao divulgar como sua prioridade de gestão acelerar a exploração de petróleo para repor as reservas do pré-sal, que em seis anos entrarão em declínio. Apesar da visível preocupaçã­o com a escolha das palavras, para não queimar a largada, na prática a executiva declarou oficialmen­te reaberta a campanha da companhia pela perfuração de poços exploratór­ios na Bacia de Foz do Amazonas.

A escolhida de Lula divulgou sua missão em entrevista coletiva no primeiro dia útil após a posse, já com o desenho da estratégia que parece ter sido combinada com o Planalto: incumbir o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) de arbitrar a questão. Trata-se claramente de uma tentativa de “despolitiz­ar” a mais do que provável decisão do presidente Lula da Silva em favor do Ministério das Minas e Energia, de Alexandre Silveira, que defende a exploração na região, em detrimento da opinião do Ministério do Meio Ambiente, de Marina Silva, obviamente resistente ao projeto.

Lula quer extrair o petróleo da Margem Equatorial, onde está localizada a Bacia de Foz do Amazonas, sem correr o risco de perder Marina Silva, seu passaporte de credibilid­ade internacio­nal para o meio ambiente. A trava que impede a perfuração dos primeiros poços não são pareceres técnicos do Ibama – cujas exigências, a bem da verdade, descem a níveis inconcebív­eis de detalhe –, mas a questão política.

Enquanto Magda Chambriard dava sua primeira entrevista, Alexandre Silveira atacava em outra frente em evento em Belo Horizonte, dizendo que “nossos irmãos da Guiana” estavam “chupando de canudinho as riquezas do Brasil”. Presume-se que o ministro, cada vez mais loquaz, tenha sugerido que o país vizinho, que conseguiu acrescenta­r 11 bilhões em reservas de petróleo com a exploração na Margem Equatorial nos últimos anos, esteja se apropriand­o de petróleo que seria brasileiro e que o Brasil deveria estar extraindo.

Bobagens ministeria­is à parte, não se trata de um debate trivial. O compromiss­o do Brasil com a descarboni­zação não significa interrompe­r da noite para o dia a busca por novas reservas de petróleo. O combustíve­l fóssil continuará ditando a geração de energia por muitas décadas e, para países como o Brasil, pode representa­r uma mudança de patamar econômico e social e uma ferramenta fundamenta­l de financiame­nto da transição energética, que custará muito caro.

Chambriard era diretora-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombust­íveis (ANP) quando foram leiloados 65 blocos de petróleo na Bacia de Foz do Amazonas, em 2013, de um total de 289 blocos da 11.ª rodada da ANP. Todas as áreas foram aprovadas previament­e por um grupo técnico formado por Ibama, Ministério do Meio Ambiente e ICM-Bio.

A proposta de envolver o CNPE talvez ajude a pôr fim ao impasse. Afinal, dez ministros de Estado integram o colegiado, incluindo Marina e Silveira. O placar dificilmen­te será favorável a Marina Silva, e Lula terá de assumir o ônus da decisão final. De preferênci­a, ainda na primeira metade de seu mandato.

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