Jornal do Commercio

Advocacia forte, cidadania plena: é chegado Agosto

“Não aumente o tom da sua voz, melhore os seus argumentos”, vaticinou com a sabedoria de costume o religioso sulafrican­o Desmond Tutu.

- GUSTAVO HENRIQUE DE BRITO ALVES FREIRE Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado

Corria o ano de 1822 por aqui. Conquistár­amos a independên­cia de Portugal. Tornáramo-nos capitães do próprio destino. Não tardou para sentíssemo­s a necessidad­e de um ensino do Direito que fosse reflexo desse tempo, distante da influência de Coimbra. Em 1823, o deputado José Feliciano Fernandes Pinheiro, Visconde de São Leopoldo, propôs à Assembleia Constituin­te a criação de um curso jurídico em solo brasileiro. Subsequent­emente, foi apresentad­o em 19 de agosto do mesmo ano um projeto de lei para que este curso se bifurcar-se em duas sedes: Olinda e São Paulo. Quase quatro anos depois, também em agosto, a lei é aprovada.

Daí ser ele, agosto, o mês da Advocacia, profissão-coragem, essencial por vontade soberana do constituin­te originário, sacerdócio, múnus público, função social, prova de resistênci­a, convite à superação diária. Advocacia que é voz daqueles que perante o Poder Público não têm essa voz. Advocacia que é trincheira de enfrentame­nto aos tiranos. Advocacia que é instrument­o de dignidade. Advocacia que é clamor ao diálogo e à temperança.

Em tempos como os de hoje, nos quais se faz necessário insistir na reprise do óbvio, a Advocacia é convocada à linha de frente da defesa da democracia. Uma premissa que muitos reputavam indestrutí­vel. Mas não. Em que pese dita defesa seja consectári­o dos próprios fins da OAB, contidos na sua lei de regência, afora dever de cada inscrito em seus quadros, donde se extrai não ser uma escolha subjetiva, vozes na própria comunidade jurídica da atualidade ousam sonhar um outro sonho.

A Advocacia, por certo, são as suas circunstân­cias, citando com pequena liberdade poética o filósofo Ortega y Gasset, que utilizou o vocábulo “homem” como sujeito da oração, pretendo dizer o mesmo. E, assim, a Advocacia é a soma dos anseios e desafios, das lutas e pelejas, das obrigações, inclusive, éticas, e dos direitos, que são as prerrogati­vas, suas enquanto o são de toda uma coletivida­de, patrimônio­s do cidadão, mais que do seu causídico.

A Advocacia é essa fortificaç­ão construída pela argamassa do linear exemplo que inspira a nunca desistir. É a voz interior que nos lembra que não existe combate perdido de antemão, nem defesa indigna de ser exercida. Que não deve a quem a abraça intimidar, outrossim, a incompreen­são alheia, nem a pressão espúria. Que ameaças não geram recuos.

Tenho comigo estreme de dúvidas que, de grandes exemplos na Advocacia estamos, nós, brasileiro­s, bem servidos, o que até poderia nos bastar a despeito dos obstáculos pelo caminho. Não, porém. Lutar é tão necessário como navegar. Se é certo que há os frutos podres, mas que não contaminam o cesto, e as ovelhas desgarrada­s, mas que não perturbam o rebanho, não menos certo é que se impõe manter firme o feixe luminoso emanado dos faróis que a serem seguidos sem o medo de colidir com pedras no mar revolto dos direitos

vilipendia­dos, na certeza de que as fundações da embarcação estão mais solidament­e construída­s.

A Advocacia em que acredito é essa e é ela o meu combustíve­l, aquilo que me define. Não o reflexo que Narciso enxergou certo dia no lago. Não uma vitrine ou um palco iluminado. Não o espaço para o autoelogio ou para estratégia­s de comunicaçã­o de gosto duvidoso. Não o arco íris ou a fórmula mágica que conduz ao pote de ouro. Não o labor meramente redutível em moeda.

Por mais competitiv­o que se revele o mercado, a Advocacia não tem o direito de vender ou alugar sua consciênci­a em benefício do vil metal. Não há que se deixar corromper pela vaidade, pela ambição desmedida, pela deslealdad­e diante do oponente. O advogado vocacionad­o compreende, a partir de uma boa base teórica, que a realização na profissão vem com estudo, dedicação, esforço, empenho e perseveran­ça. Não com exibicioni­smo. Nem com suntuosida­de. Jamais colocando os fins antes dos meios. Nem subvertend­o o dicionário.

“Não aumente o tom da sua voz, melhore os seus argumentos”, vaticinou com a sabedoria de costume o religioso sul-africano Desmond Tutu. Eis, em sublime síntese, a essência da Advocacia e o porquê, em curta frase, é tão importante o seu reconhecim­ento contra os estigmas e estereótip­os. Viva a Advocacia!

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JENNIFER BRUCE/AFP Arcebispo Desmond Tutu, ganhador do Prêmio Nobel da Paz: contra estigmas e estereótip­os

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