Humor cortante fez de Delfim Netto um dos ministros mais lembrados do Brasil
Antonio Delfim Netto é frequentemente relacionado aos governos militares (exceto Ernesto Geisel que o despachou para um “exílio” de luxo na embaixada brasileira em Paris). Mas o que nem sempre é destacado em sua trajetória é sua convivência com o presidente Lula quando participou dos trabalhos na Constituinte - e depois quando ele estava na presidência da República.
O que não se divulga muito é porque Lula sempre conversou no Delfim Netto nos seus dois governos. E porque “o gordo” tinha a capacidade de resumir para Lula o que vinha no futuro em uma ou duas frases.
DELFIM E DILMA
Também não se fala muito da aversão de Dilma Rousseff aos conselhos do ex-ministro quando em 2012 ela surfava na onde de polaridade. E as razões de o ex-ministro fezer chegar a ela que não precisava fazer o que estava fazendo porque os resultados seriam catastróficos. Delfim, como se sabe, elogiou muito o começo do governo e fez uma aposta pública na primeira presidente do Brasil.
Dilma, porém deu de ombros e inventou a Nova Matriz Econômica. O que nunca se soube é porque Delfim Neto não fez logo uma crítica mais contundente, preferindo o silêncio. Talvez porque soube o que iria acontecer. Ele ficou preocupado quando para apresentar resultados o Governo misturou os balanços da estatal especialmente a Petrobras com os do Governo.
E ele avisou do risco a Lula. Prova disso é a avaliação que fez do expresidente: “O Lula é um diamante bruto. É um gênio As pessoas que subestimam o Lula são idiotas. Ele realmente tem uma grande capacidade, não só de se comunicar, que é visível, mas de organizar as coisas. Ele fez um bom governo”, disse Delfim Netto em 2015, durante a crise que levou ao impeachment da sucessora do líder petista.
DILMA ROUSSEFF
Os biógrafos de Antonio Delfim Neto costumam falar de sua trajetória com os militares e de como ele influenciou os governos (junto do Golbery do Couto e Silva).
Mas nem sempre lembram sua capacidade de prever o que viria com o tempo. Quando a Constituinte de 1998 foi promulgada ele disse que o Brasil estava contratando um estado com custo alto sem ter ancorado as receitas o que faria com poucos anos o Executivo ficar estrangulado pelas despesas obrigatórias.
Ele elogiou a Constituinte de 1988 da qual fez parte. Mas advertiu que ela tinha ficado cara demais porque contratara despesas permanentes.
NÃO QUERIA ISSO
Mas fora a grande contribuição do exministro em várias pastas, inclusive, da Agricultura cujas questões só tinha familiaridade acadêmica (o que lhe rendeu um personagem do humorista Jô Soares) o legado de Delfim foi sua capacidade de apontar para as consequências de ações do Governo antes que elas acontecessem com base em fundamentos muito sólidos que fazia poucos acadêmicos bater de frente com eles.
POUCO ESTUDADO
Economista que sempre defendeu a Academia, Delfim Netto é pouco estudado por ela. Existem apenas três dissertações de mestrado da professora Viviane de Fátima Magalhães analisando sua interface junto ao empresariado e atuação como ministro da ditadura de um intelectual orgânico da burguesia.
E outras duas que analisaram o seu pensamento no milagre econômico brasileiro (196873), de Felipe Marineli em 2017 e outra sobre sua atuação no reordenamento político-econômico da ditadura como um ideólogo orgânico da autocracia burguesa brasileira, do professor Rosa Valdeir Rosa Moreno.
O ex-ministro não gostava dessa classificação de milagreiro. “Nunca houve milagre. Milagre é efeito sem causa. É de uma tolice imaginar que o Brasil cresceu durante 32 anos seguidos, começando na verdade em 1950, a 7,5% ao ano, por milagre “. Numa entrevista ao jornalista Agnaldo Novo de O GLOBO em março de 2014.
MUITOS ESCRITOS
Entretanto, existem terabytes de textos sobre ele na imprensa que mostram o embate dos economistas da esquerda depois da redemocratização. Até porque ele sempre escreveu muito e opinou muito sobre muitos assuntos da área de economia. E com uma leveza “não rara” cruel sem muito floreado. Delfim Neto era direto, dava o recado em menos de três mil caracteres.
Talvez por isso, nesta segunda-feira (12) vários economistas destacam essa sua clareza. O economista Felipe Salto da Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados faz uma comparação justa quando diz que “Delfim Netto é comparável a Roberto Campos e Mário Henrique Simonsen, dos grandes economistas que nós tivemos, com capacidade não apenas analítica, mas retórica também.
CAMPOS E SIMONSEN
A comparação é justa. Mas, certamente é na retórica que ele era diferenciado em relação aos dois. Uma dessas formulações é talvez uma das mais conhecidas “Nós não temos competência para acabar com o Brasil. O Brasil vai sobreviver a todas as bobagens que nós fizermos”.
Outra coisa que a sua presença na mídia (como articulista de várias revistas e jornais) destaca seu vínculo com a universidade. Ele não se cansava de elogiar a USP e ressaltar a importância para a sua vida. E dava selo ouro quando participava das bancas de doutorado. Em dezembro de 2010, participou da banca que avaliou a tese de doutorado de Aloizio Mercadante na Unicamp, hoje presidente do BNDES.
EU AMO A USP
“É uma coisa fantástica. Eu gastei 6 mil reis com um selinho [que era colado no título de admissão] para, depois, viver a vida inteira na universidade” Delfim publicou a sua tese em 1959. Intitulada “O problema do café no Brasil” que se tornou obra de referência sobre o assunto.
Ele também ajudou a dar prestígio à sua profissão (foi associado do Corecon-sp por mais de 60 anos) e praticamente inventou a categoria de economistachefe depois de sua atuação na Associação Comercial de São Paulo, como economista-chefe do Instituto de Economia Gastão Vidigal (IEGV).
CONTA SELIC ALTA
E para quem entende essa afinidade de Delfim Neto com Lula é bom lembrar que como o presidente ele sempre considerou nível exagerado dos juros brasileiros, que contribui para a “supervalorização do real” quando que atraía capitais interessados em aproveitar a diferença entre as taxas internas e externas. E sendo Delfim Netto cravou: “O Brasil é o último peru disponível fora do Dia de Ação de Graças.
E pelo jeito continua sendo há muitos anos...