Jornal do Commercio

Um ‘onipotente’ econômico, era o perfil de Delfim Netto

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Não demorou para que os “animais estranhos” fossem apelidados de Delfim Boys: eram duas dezenas de colaborado­res, muitos deles ex-alunos, que acompanhar­am o ministro na capital federal. Para entrar no grupo, como na máfia, havia um requisito inegociáve­l: lealdade. Seus pupilos podiam errar o quanto quisessem, desde que fossem leais.

Com centenas de pessoas em tudo quanto era lugar, Delfim Netto multiplico­u seu poder de informação e sua influência no governo. “Raras vezes vi alguém com essas duas caracterís­ticas que o Delfim tem: a curiosidad­e intelectua­l e a ambição pelo poder ”, disse certa vezo economista­eduardog ian net tida Fonseca.

O ex-ministro nuncas e vinculou a uma escol ade pensamento econômico. Diz iaque “não existe merca dosem Estado e não existe desenvolvi­mentos em mercado .” Defendiao caminho do meio :“nem considerar­a teoria econômica como uma religião, da qual o economista é portador, divulgador e defensor; nem achar que o Estado é onisciente e, portanto, não pode ser nem onipresent­e nem onipotente ”.

‘TODO PODEROSO’

Onipotente era um adjetivo que cabia bema Delfim enquantoel­e esteve na fazenda. Ao assumir o comando, para reverter o baixo cresciment­o que herdou de seus antecessor­es( os ministros da Fazenda, Octávio Gouvêa de Bulhões, e do Planejamen­to, Roberto Campos), Delfim Netto ampliou subsídios e adotou uma política agressiva de estímulo às exportaçõe­s e ao crédito. os bancos estatais, controlado­s pelo ministro, injetavam recursos na economia e o Orçamento estava sob seu controle. Os ministros que bateram de frente como gordo caíram. Empresário­s foram chamados por ele a financiar o combate à subversão e comparecer­am.

Na reunião que instituiu o AI-5, sugeriu que o decreto não bastava eque o presidente deveria ter ainda mais poder. Em depoimento à Comissão da Verdade da Câmara Municipal de São Paulo, em junho de 2013, Delfim afirmou que não se arrependia de ter sido um dos elaborador­es do AI5. “Se as condições fossem as mesmas e o futuro não fosse opaco, eu repetiria. Eu não só assinei o AI-5 como assinei a Constituiç­ão de 1988.”

Sob o comando de Delfim, o país investiu em grandes obras de infraestru­tura, como a Ponte Rio- niterói eanunc aterminada rodovia Transamazô­nica. Para reduzira inflação, ele manipulou os preços dos alimentos: sabia exatamente quais gêneros entravam no cálculo do índice feito pela Fundação Getúlio Vargas, apenas no Rio, e dava um jeito de aumentara oferta desses produtos na cidade, derrubando os preços.

Depois de mandar e desmandar na economia durante os governos de Costa e Silva e Médici, Delfim tinha pretensões políticas: queria ser governador de São Paulo em 1974 e presidente da república em 79. Mas o quarto presidente do regime militar cortou-lhe as asas. Ernesto Geisel, que era presidente da Petrobrás no governo Médici, sempre implicou com delfim.

O clima entre eles ficou pior entre 73 e 74, quando o preço do barril de petróleo quadruplic­ou. O chefe da petroleira, já escolhido como próximo presidente militar, queria antecipar o aumento do combustíve­l, mas Delfim negou o reajuste .“quem vai aumentar é você”, disse o economista. Indícios de corrupção também ajudaram a derrubar o ministro da Fazenda e sua equipe. como objetivo de barrar as pretensões políticas de Delfim, Geisel o nomeou embaixador brasileiro em Paris.

Três anos depois, já no governo de Figueiredo, Delfim Netto volta ao Brasil e, apoiado por empresário­s, assume umdosminis­térios-destavez o da Agricultur­a. Nos meses seguintes, ele derrubaria os ministros da Fazenda Karlos Rischbie ter, e do planejamen­to,mário henriques i mons en. E voltaria a assumir o controle da economia, não mais para pilotar o milagre, mas para gerir uma crise.

Depois do choque do petróleo, o governo e as empresas tomaram empréstimo­s a um custo baixo no exterior. Em 1981, quando os EUA elevaram a taxa de juros, a dívida brasileira explodiu e o País quebrou.

No ano seguinte, teve de recorrer ao Fundo Monetário Internacio­nal (FMI). Delfim Netto ficaria no comando da economia, como ministro do Planejamen­to, até o fim do regime militar. Ele entregou o País com uma inflação anual de 235% e uma dívida quase quatro vezes maior do que a do início da ditadura. A inflação só voltaria aficar sob controle depois do plano real.

Ao deixar o governo figueiredo, mesmo emmeio a uma série de denúncias de irregulari­dades, como a cobrança de propina para facilitar negóciosde empresas francesas no

Brasil, Delfim Net tose candidatou­a deputado federal pelo PDS (antigo Arena) e voltou parabrasíl­ia-ondeficari­apor cinco mandatos até perder as eleições em 2006. Ele dava risada ao lembrar que, nessa época, era o terror da esquerda brasileira. “O pessoal do PT saía do elevador quando me encontrava, achando que aquilo ia me incomodar.”

Como deputado federal, participou da constituin­te e foi um crítico das políticas econômicas desarney, fernando Col lordem ello,i tamar franco e Fernando Henrique Cardoso. Quando o Plano Real foi anunciado, em fevereiro de 1994, considerou-o “eleitoreir­o” e defendeu uma política de “privatizaç­ões selvagens” para controle da inflação mais tarde ele mudaria de ideia em relação ao plano, mas continuari­a sendo oposiçãoaf­hc,aquemch amava de “exterminad­or do presente”. Dizia que os juros altos eram a “tragédia do trabalhado­r desemprega­do e a alegria do banqueiro endinheira­do” - um discurso que começou a agradara té aseus adversário­s históricos da esquerda.

METAMORFOS­E AMBULANTE

Nas eleições de 98, já como membro do PPB de Paulo Maluf, disse que Lula não devia ser “satanizado”. No pleito seguinte, em 2002, elogiou a

Carta ao Povo Brasileiro, mas só quando o sindicalis­ta passo upara o segundo turno com José Serra, Delfim Netto manifestou seu apoio, em uma entrevista publicada no site de Lula.

No governo petista, teve um assento no Conselho de Desenvolvi­mento econômico e Social, indicou pessoas próximaspa­ra cargo sem estatais, foi conselheir­o da Empresa Brasil de Comunicaçã­o e cogitado diversas vezes para ser ministro. Em 2009, declarou que “Lula salvou o capitalism­o brasileiro”.

O ex-ministro apoiou a candidatur­a de Dilma Rousseff e chegou a ser conselheir­o da petista. Os dois romperam em 2012, contava Delfim, depois que o governo forçou uma redução no preço da energia elétrica, o que considerav­a um dos grandes equívocos daquela gestão.

Tão próximo dos petistas, Delfim não escapou da Operação Lava Jato. Em 2018, foi citado por suspeita de fraude na licitação da usina de Belo Monte, usando sua influência­para beneficiar o consórcio vencedor. Sua defesa contestou a acusação, dizendo que os recursos apontados como propina eram a remuneraçã­o por consultori­a prestada a empreiteir­as.

Quando viu que o governo ia afundar, Delfim Netto mudou de barco Meses antes de Dilma ser afastada do cargo, o economista já se encontrava regularmen­te com o vice Michel Temer, que assumiria a Presidênci­a após o impeachmen­t.

Com Bolsonaro no poder, voltou seus elogios para apolítica liberal de Paulo Guedes. Dizia que Guedes era o lado iluminado do governo.

Ao tentar definir Delfim, o pesquisado­r da FGV Samuel Pessôa disse certa vez que o ex-ministro era“afiguram ais complexada segunda metade dos é cu loxxnobr asil” e resumiu :“Ele compactuou como regime militar na parte mais durada ditadura, noque houve demais violento e condenável daquele período negro da nossa história, mas é um economista espetacula­r, dos melhores da nossa história.

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ex-ministro nunca se vinculou a uma escola de pensamento econômico
Divulgação O ex-ministro nunca se vinculou a uma escola de pensamento econômico

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