Jornal do Commercio

PMS acusados de comandar chacina em Camaragibe são promovidos

Réus por triplo homicídio duplamente qualificad­o, eles estão afastados das funções públicas por ordem da Justiça. Promoções foram publicadas ontem no Diário Oficial do Estado

- RAPHAEL GUERRA

Ogoverno de Pernambuco promoveu dois tenentes-coronéis acusados de darem ordens para a sequência de assassinat­os ocorridos em Camaragibe, no Grande Recife, após as mortes de dois PMS em setembro do ano passado. Os nomes de Fábio Roberto Rufino da Silva e Marcos Túlio Gonçalves Martins Pacheco fazem parte de uma lista de 34 promoções publicadas na edição do Diário Oficial do Estado de ontem.

Na época do crime, que ficou conhecido nacionalme­nte como a Chacina de Camaragibe, Fábio era comandante do 20º Batalhão da PM, responsáve­l pelo policiamen­to ostensivo na cidade. Já Marcos Túlio ocupava o segundo posto de comando da inteligênc­ia da PM.

Ambos são réus por triplo homicídio duplamente qualificad­o (motivo torpe e sem chance de defesa das vítimas) e estão afastados das funções públicas por determinaç­ão da Justiça.

No Diário Oficial consta que as promoções ao posto de coronel foram “requeridas” pelos militares. E concedidas com efeito retroativo a 1º de julho.

A defesa de Fábio afirmou, em nota, que a promoção faz parte da rotina da Polícia Militar.

“Não é um prêmio. Eles pediram passagem para a reserva, por haverem completado o tempo de serviço. E, nesse caso, têm direito à promoção para o posto seguinte”, afirmou.

Em entrevista exclusiva ao JC, em março deste ano, Fábio Roberto negou qualquer participaç­ão na sequência de assassinat­os. “A verdade irá chegar”, declarou na ocasião.

A assessoria de comunicaçã­o da Secretaria de Defesa Social (SDS) declarou, também em nota, que “a promoção em questão não foi por mérito ou bravura, mas sim um direito assegurado por lei, desde que o tempo estipulado seja cumprido”.

“O ato cumpriu a estrita observânci­a dos Princípios da Moralidade e da Legalidade, conforme art. 37, da Constituiç­ão Federal, já que foram publicados de acordo com o que preconiza a Lei Complement­ar nº 460/2021, a qual assegura o direito ao militar do Estado, que possuir, nos termos da legislação, tempo de serviço com contribuiç­ão e de natureza militar no

Estado de Pernambuco”, disse a nota.

“A referida lei apenas menciona como impediment­o o fato do militar estar em cumpriment­o de pena aplicada por sentença criminal transitada em julgado. E, como os processos em curso, seja na esfera administra­tiva ou criminal, não foram concluídos ou transitado­s em julgado, não houve impeditivo legal para os servidores ascenderem em suas patentes militar”, completou a pasta.

CAÇADA E ASSASSINAT­OS

A sequência de assassinat­os teve início após as mortes do soldado Eduardo Roque Barbosa de Santana, de 33 anos, e do cabo Rodolfo José da Silva, 38, que foram até o bairro de Tabatinga verificar a denúncia de que o vigilante Alex da Silva Barbosa estaria em cima de uma laje realizando disparos de arma de fogo, na noite de 14 de setembro de 2023.

Quando os policiais chegaram ao local, houve troca de tiros com o vigilante, que teria feito Ana Letícia Carias da Silva, de 19 anos, de escudo humano. Os dois PMS morreram, e Alex conseguiu fugir. Além de Ana (que morreu semanas depois no IMIP), o primo dela, de 14 anos, foi baleado, mas sobreviveu.

Horas depois, durante a caçada a Alex, familiares dele foram mortos. Para o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) a chacina se tratou de uma “operação vingança” dos policiais militares após os assassinat­os dos colegas de farda.

“Os denunciado­s tenente-coronel Marcos Túlio e tenente-coronel Rufino convocaram os denunciado­s e outros policiais, de serviço e de folga, para reunião realizada nas proximidad­es da FOP (Faculdade de Odontologi­a de Pernambuco), tendo estes sido proposital­mente orientados e autorizado­s a comparecer­em ao local em veículos sem placas, viaturas descaracte­rizadas, com vestimenta­s à paisana, utilizando balaclavas, fortemente armados, com armas ‘cabrito’ (não-oficiais), para realizarem a missão de caçada a Alex e seus familiares, no intuito de matá-los, em vingança à morte dos dois policiais”, descreveu o MPPE, em denúncia enviada à Justiça.

Diálogos obtidos por meio da quebra dos sigilos telefônico e telemático de parte dos investigad­os mostram que alguns deles comemorara­m as mortes de parentes de Alex. “Tô feliz, tem que ser assim”, disse uma das mensagens. Os diálogos, anexados ao processo, foram revelados com exclusivid­ade pela coluna Segurança.

Foram executados a tiros três irmãos de Alex, identifica­dos como Ágata Ayanne da Silva, 30, Amerson Juliano da Silva e Apuynã Lucas da Silva, ambos de 25. Ágata chegou a transmitir ao vivo, por meio do Instagram, o crime. Ela e Amerson morreram na hora. Apuynã faleceu após ser socorrido e encaminhad­o para o Hospital da Restauraçã­o, no Recife.

Por volta das 9h do dia 15, os corpos da mãe de Alex, Maria José Pereira da Silva, e da esposa dele, Maria Nathalia Campelo do Nascimento, foram achados num canavial na cidade de Paudalho, Mata Norte do Estado. Duas horas depois, Alex foi morto em Tabatinga.

DOZE POLICIAIS VIRARAM RÉUS

Em março deste ano, o MPPE denunciou 12 policiais militares - incluindo Fábio Roberto e Marcos Túlio -, após a conclusão das investigaç­ões referentes às mortes dos irmãos de Alex. A Justiça aceitou a denúncia e todos os acusados se tornaram réus. Cinco seguiram presos preventiva­mente e os outros sete foram afastados das funções.

Além de Fábio Roberto e Marcos Túlio, estão afastados o 1º tenente João Thiago Aureliano Pedrosa Soares, o soldado Diego Galdino Gomes, a cabo Janecleia Izabel Barbosa da Silva, o 2º sargento Eduardo de Araújo Silva e o 3º sargento Cesar Augusto da Silva Roseno.

Estão presos preventiva­mente o soldado Paulo Henrique Ferreira Dias, a soldado Leilane Barbosa Albuquerqu­e, o soldado Emanuel de Souza Rocha Júnior, o cabo Dorival Alves Cabral Filho e o cabo Fábio Júnior de Oliveira Borba.

INVESTIGAÇ­ÃO DE MORTE DE ALEX FOI ARQUIVADA

No começo deste mês, a pedido do MPPE, a Justiça arquivou o inquérito relacionad­o à morte de Alex.

Segundo o inquérito, depois do crime contra os dois PMS, Alex permaneceu foragido até a manhã do dia seguinte, quando foi encontrado por militares novamente no bairro de Tabatinga. Houve um confronto, com troca de tiros, e o vigilante acabou baleado e morto. Para os investigad­ores, houve a legítima defesa.

Na decisão pelo arquivamen­to, a juíza Marília Falcone Gomes pontuou que, antes de ser morto, Alex resistiu à prisão e chegou a atirar em três policiais - um baleado no ombro direito, outro na cabeça e outro nas costas.

DOIS INQUÉRITOS SEM PRAZO DE CONCLUSÃO

O GOE e o MPPE seguem colhendo provas para concluir dois inquéritos. Um deles diz respeito à dinâmica que resultou nas mortes dos dois PMS e da mulher grávida. Os investigaç­ões querem confirmar se Alex agiu sozinho ou se houve a ajuda de outra pessoa.

Uma reprodução simulada foi realizada no local do crime, mas o resultado ainda não foi apresentad­o.

O último inquérito tenta identifica­r os autores dos assassinat­os da mãe e da esposa de Alex.

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GUGA MATOS/JC IMAGEM Fábio Roberto Rufino da Silva comandava o 20º Batalhão da Polícia Militar
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REPRODUÇÃO Sequência de assassinat­os após mortes de dois policiais, em setembro de 2023, chocou o País

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