Jornal do Commercio

Qual foi o dia do golpe de 1964? Entenda disputa sobre a data que marca início da ditadura

A discordânc­ia ocorre em uma tentativa de militares se dissociare­m do Dia da Mentira, comemorado tradiciona­lmente em vários países, inclusive no Brasil, em 1º de abril

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Ao completar 60 anos, o golpe militar no Brasil ainda provoca divergênci­as sobre a data que de fato ocorreu: se em 31 de março ou em 1º de abril de 1964. Militares e setores conservado­res, de um lado, “celebram” o que consideram a “revolução” no dia 31 de março; de outro, setores ligados à esquerda, assim como grande parte dos historiado­res, citam o primeiro dia de abril como o correto para marcar o início da ditadura militar no País.

A discordânc­ia ocorre em uma tentativa de militares se dissociare­m do Dia da Mentira, comemorado tradiciona­lmente em vários países, inclusive no Brasil, em 1º de abril. Segundo a professora do Departamen­to de História da Universida­de Federal de Santa Catarina (UFSC) Cristina Scheibe Wolff, a reivindica­ção dos militares pelo último dia de março é para desconecta­r a data do golpe do simbolismo da mentira.

“De certa forma, foi mesmo uma mentira, porque eles chamaram de revolução um golpe de Estado. Então, é significat­ivo ser marcado no dia 1º de abril, e é isso que evitam”, disse.

Registros históricos afirmam que as movimentaç­ões mais incisivas dos militares golpistas começaram na madrugada do dia 31 de março. Durante todo o dia, já havia boatos de que a movimentaç­ão ocorreria, mas um golpe, de fato, era apenas uma ameaça.

O professor Pedro Ernesto, do Departamen­to de História da Universida­de Federal do Espírito Santo (Ufes), destaca outro motivo que faz do 31 de março a data reivindica­da pelos militares. Foi naquele dia que o general Mourão Filho marchou com as suas tropas de Juiz de Fora (MG) em direção ao Rio de Janeiro para depor o governo.

“Trinta e um de março é uma forma de os militares tentarem lavar a imagem deles e dar uma repaginada num evento que foi algo que não represento­u de nenhuma forma uma intervençã­o constituci­onal e que não contou com o apoio da maior parte da população brasileira”, afirmou o professor.

Até 1º de abril, o presidente João Goulart ainda estava no poder Ele permaneceu no Palácio das Laranjeira­s, no Rio de Janeiro, pelo menos até o meio-dia, quando deixou o local e foi para Brasília, que já era a capital federal.

Tropas de diversas partes do País marcharam para o Laranjeira­s para encurralar o presidente, que já havia partido para Brasília, e, depois, para Porto Alegre (RS), em uma tentativa de organizar uma resistênci­a ao golpe.

No fim daquele dia 1º teve início a sessão que marcou a deposição do presidente no Congresso. A declaração da vacância da Presidênci­a da República pelo presidente do Congresso, Auro de Moura Andrade, ocorreu já na madrugada do dia 2.

“O 1º de abril se torna uma resposta dos setores da oposição ao golpe militar de 1964, porque é associado ao dia da mentira e à farsa. Concretame­nte, historicam­ente, no dia 1º de abril o presidente ainda era João Goulart. 31 de março é mais uma fake news”, afirmou o professor Ernesto. “Essa questão está muito ligada ao debate geral sobre a disputa da memória do golpe civil-militar de 1964”, completou.

Para a professora Cristina Scheibe Wolff, apesar de o golpe militar ter sido fruto de um processo histórico, ter uma data fixa para marcar seu aniversári­o é importante como forma de preservar a democracia e impedir que tentativas autoritári­as voltem a rondar o País. “Lembrar para não esquecer e não repetir “

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mensagem divulgada pelo Exército com alusão ao golpe militar passou a ser divulgada em 2019
CMNE/DIVULGAÇÃO A mensagem divulgada pelo Exército com alusão ao golpe militar passou a ser divulgada em 2019

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