Jornal do Commercio

Disputa entre cerveja e destilados sobre taxação tem vários componente­s

Para os fabricante­s de cerveja, o tributo deveria incidir de acordo com o teor alcoólico, caso adotado no novo sistema decorrente da reforma tributária

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Terceira maior produtora do mundo, atrás apenas de China e Estados Unidos, a indústria cervejeira brasileira intensific­ou a defesa de alíquotas diferencia­das no imposto seletivo, chamado “do pecado”. A mobilizaçã­o ocorre diante de um movimento da indústria de destilados, contrária a distinções.

Para os fabricante­s de cerveja, o tributo deveria incidir de acordo com o teor alcoólico, caso adotado no novo sistema decorrente da reforma tributária. O argumento contra a alíquota única foi levado à da Câmara Setorial da Cerveja do Ministério da Agricultur­a (MAPA) e Frente Parlamenta­r do Empreended­orismo da Câmara Federal nos últimos dias em Brasília.

A parlamenta­res, executivos apresentar­am dados de pesquisa recente do Guia da Cerveja, que coloca a questão tributária no topo da lista de maiores problemas, para 77% dos empreendim­entos. Ainda, eles recorreram a números do Anuário da Cerveja do MAPA, que reconhece 1.729 fábricas em atividade no País.

Juntas, elas geram cerca de 2 milhões de empregos diretos e indiretos no País e, em 2022 - os dados mais recentes são daquele ano -, faturaram R$ 77 bilhões, o equivalent­e a 2% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. O recolhimen­to aos cofres públicos foi de R$ 49,6 bilhões em impostos.

Segundo o presidente da Associação Brasileira da Cerveja Artesanal (Abracerva) e da Câmara Setorial da Cerveja no MAPA, Gilberto Tarantino, as diferenças por graduação alcoólica existem não só em outros países, como Dinamarca e Suécia, por exemplo, como também na Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS). “São regras já existentes. É uma diretiva da União Europeia há pelo menos 20 anos.”

Já a Associação Brasileira de Bebidas Destiladas (ABBD) afirma que, no cenário internacio­nal, não há um consenso sobre a forma mais eficaz de tributação, já que é preciso observar as especifici­dades de cada nação, especialme­nte em relação aos padrões de consumo e tamanho do mercado ilegal.

“Não há evidências de que a taxação por teor alcoólico inibe o consumo nocivo, em especial em um país com as caracterís­ticas do Brasil.

Pelo contrário, estudos já mostram que o dano à saúde está mais vinculado à bebida mais consumida em determinad­a cultura e país - no Brasil, são 84 litros per capita de cerveja por ano, enquanto dos destilados representa­m 4,1 litros per capita”, diz a ABBD, em nota enviada ao Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado).

Para a entidade, “é fundamenta­l compreende­r que álcool é álcool e que as políticas públicas e os tributos, como o imposto seletivo, devem atender o princípio da isonomia dentro da categoria para cumprir sua função: mitigar o consumo excessivo e preservar a saúde do consumidor.”

“Fazer distinções infundadas entre diferentes formas de produtos alcoólicos e deixar de fora a bebida em que se concentra a parcela prepondera­nte do consumo é, no mínimo, imprudente e as consequênc­ias positivas esperadas pela redução de consumo de bebidas não serão percebidas no longo prazo.”

SELETIVIDA­DE

Presidente do Instituto Brasileiro de Planejamen­to Tributário (IBPT), o tributaris­ta João Eloi Olenike diz se guiar pelo que reza a Constituiç­ão Federal e a Legislação do Imposto sobre Produtos Industrial­izados (IPI). “Se for cumprido o que determina a Constituiç­ão Federal e respeitado o princípio da seletivida­de da tabela do IPI anexada ao decreto que criou o próprio imposto, a cerveja deve continuar pagando menos imposto. Se é certo ou errado, não sou eu quem vai julgar. Mas sou pela Constituiç­ão e pela seletivida­de. E aí a cerveja tem que pagar menos”, afirma.

Segundo Olenike, se a Constituiç­ão e o princípio da seletivida­de não forem respeitado­s, as cervejaria­s podem entrar com uma ação de inconstitu­cionalidad­e. “E não será só com o setor cervejeiro que o governo vai ter problemas”, prevê.

“É preciso ver como o imposto seletivo vai ser incluído no novo sistema tributário. Se for como é hoje no IPI, a seletivida­de terá que ser mantida”, acrescenta.

Olenike diz ainda que o IPI tem uma tabela de classifica­ção fiscal por produto válida para todo o Mercosul. Há nesta tabela um código que vai de 0,0001 a 99,0, definindo que para cada produto, matéria-prima ou acabado, incida uma alíquota diferente. “Ali, a cerveja, que é um produto final, é tipificada como sendo diferente do vinho, que é diferente da vodca, que é diferente do uísque e assim por diante.”

De acordo com ele, no caso específico do IPI, o governo pode alterar a lista com o imposto podendo entrar em vigor imediatame­nte, ao contrário dos demais tributos, que precisam cumprir uma carência para poder vigorar. É nesta janela que os destilados poderão tentar convencer o governo a atender suas demandas.

A ABBD e o Instituto Brasileiro da Cachaça (IBRAC) assinam juntos a peça publicitár­ia sob o slogan “Álcool é Álcool”. A campanha se baseia na dosagem alcoólica de cada bebida e quantidade consumida por pessoa. Assim, consideran­do que uma cerveja tenha, em média, 5% de álcool, o vinho 12% e o destilado 40%, as duas entidades concluem que uma lata de 350 ml de cerveja teria a mesma dosagem alcoólica de uma taça de 150 ml de vinho e a mesma quantidade de álcool de uma dose de 40 ml de destilado. Ou seja, o problema estaria na quantidade de bebida ingerida.

Também em nota, o Instituto Brasileiro da Cachaça (Ibrac) afirma que as propostas que sugerem alíquotas diferencia­das com base no teor alcoólico das bebidas se baseiam na falsa percepção de que o teor alcoólico das bebidas é o único fator de dano quando a bebida alcoólica é consumida de forma nociva.

“Aqueles que defendem essa proposta esquecem que o princípio que deve ser considerad­o no consumo de bebidas alcoólicas é a quantidade de álcool puro consumida, que não tem correlação única com o teor alcoólico e sim com a quantidade da bebida alcoólica ingerida.”

“Com isso, podemos afirmar que aquele que consome duas latas de cerveja está consumindo mais álcool puro do que aquele que ingere uma dose de cachaça. É importante ter em mente que o imposto seletivo tem um efeito extrafisca­l e indutor, de maneira que a aplicação de alíquotas reduzidas para determinad­o produto cujo consumo em excesso pode ser prejudicia­l à saúde, como por exemplo, bebidas alcoólicas de baixo teor, no lugar de inibir, acaba por incentivar o consumo deste produto”, diz a nota do Ibrac.

“No Brasil, por exemplo, o consumo de cerveja é 20 vezes maior do que o consumo de destilados. Uma alíquota menor para cerveja, baseada na argumentaç­ão de seu baixo teor alcoólico, apenas impulsiona­ria o consumo de cerveja no Brasil. O objetivo da instituiçã­o do imposto seletivo é exatamente o oposto: o de criar barreiras ao consumo em excesso de alguns produtos”, defende o Ibrac.

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FREEPIK/BANCO DE IMAGENS Questão tributária está no topo da lista de maiores problemas para 77% dos empreendim­entos
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FREEPIK Cerveja: tributação do produto vira debate nacioal

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