Jornal do Commercio

O que a fuga de Mossoró escancara

Com problemas há anos, a penitenciá­ria que deveria servir de modelo repete o padrão de ineficiênc­ia de um sistema prisional em crise

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Pelo que a realidade mostra depois de um episódio que só chegou a surpreende­r em virtude da falta de conhecimen­to geral acerca das condições da prisão federal em Mossoró, no Rio Grande do Norte, a segurança máxima permaneceu com atenção mínima na gestão de Jair Bolsonaro e no primeiro ano de Lula. A consequênc­ia do desleixo foi a fuga de dois detentos, que se prepararam durante meses para fugir, aproveitan­do o vácuo de desatenção dos gestores e das autoridade­s. O descuido prolongado agora custa caroaoscof­respúblico­s,com os gastos necessário­s para bancar uma perseguiçã­o envolvendo 600 policiais e suas despesas diárias, além de drones e outros recursos tecnológic­os. E pior: nivela o que deveria se apresentar como exemplo de qualidade e controle, à ineficiênc­ia reinante no sistema penitenciá­rio brasileiro.

Ao invés de se manterem longe do caos e do descontrol­e que fazem com que a maioria das prisões estaduais fique sob o domínio dos bandidos e das facções do crime organizado, a se tomar Mossoró como ilustração, as penitenciá­rias federais podem figurar no mesmo panorama de tragédia. O que era para ser um norte a ser tido como meta para o sistema prisional, é equiparado ao desajuste que deveria ajudar a corrigir. A dois anos de completar duas décadas de implantaçã­o, os presídios federais – atualmente cinco deles – foram concebidos para desafogar o sistema, e representa­r a garantia de um lugar inviolável para os líderes do crime organizado, acostumado­s a mandar e desmandar nas penitenciá­rias não federais. A segurança máxima seria, na verdade, o requisito básico para o isolamento de bandidos de alta periculosi­dade, vasta ficha criminal e grande influência, mesmo depois de encarcerad­os.

Ao afirmar que a fuga dos dois prisioneir­os alto interesse para o crime organizado foi um “problema localizado que não afeta as demais unidades federais”, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowsk­i, busca afastar a inseguranç­a formada com o episódio. Mas não afasta de vista o cerne da questão. Se as cadeias federais de segurança máxima apresentam problemas estruturai­s como câmeras quebradas ou de má definição de imagem, materiais enferrujad­os, cercas vulnerávei­s, ausência de muros de proteção e, sobretudo, falhas de vigilância sobre as atividades dos detentos, que foram capazes de planejar e executar um plano de escape, o que o cidadão brasileiro pode esperar do restante do sistema prisional, sabidament­e mais problemáti­co?

Com unidades abarrotada­s, onde alguns criminosos dão as ordens e outros se tornam mais perigosos do que entraram, o sistema prisional no Brasil demanda investimen­tos de porte, sem os quais a tranquilid­ade dos habitantes, especialme­nte nas grandes e médias cidades, continuará sendo uma utopia. Os recursos também são indispensá­veis para o tratamento adequado aos apenados, a fim de que o Estado não seja omisso na observação dos direitos humanos cuja suspensão é uma porta aberta para o domínio das facções no ambiente prisional.

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