Um pedido por tolerância
Hoje, como parte da mesma humanidade que somos, é hora de reforçarmos o pedido por tolerância aos extremados, enquanto fazemos dessa tolerância a nova parteira da história que deve buscar tão somente a verdade sem viés.
Na década de 1990, J. J. Benítez escreveu a obra Operação Cavalo de Tróia, um dos maiores sucessos editoriais naquela época.
A trama se desenrola a partir de um encontro do autor com um cientista americano que descreve em seu diário pessoal uma viagem no tempo cujo destino era as cercanias de Jerusalém, e a finalidade, pesquisar os últimos dias de vida de Jesus Cristo.
O enredo nos agarra. As descrições das falas, dos locais e das culturas são minuciosas, associando ficção científica com história bíblica.
As experiências e revelações vividas pelos dois cientistas escolhidos para a viagem lhes vão abrindo o coração para uma mensagem de transformação espiritual, ao mesmo tempo em que apontam sinais de que os evangelistas não reproduziram com fidedignidade a vida e a obra do Mestre.
Quão interessante seria se pudéssemos tornar a ficção uma realidade e, invertendo os eixos do tempo, voltássemos ao passado para confirmar o que a história nos oferece hoje como verdade sobre momentos cruciais da evolução política, econômica e social do mundo em que vivemos.
Como no livro de Benítez, certamente seríamos surpreendidos com as diferenças entre o fato e a narrativa.
E isso, é perfeitamente compreensível. Mesmo quem escreve a história com rigor acadêmico e atitude profissional sempre sofrerá influências exógenas sobre seus textos.
Por isso sou reticente quanto a revisionismos históricos perpetrados em curtos espaços temporais por agentes ainda impactados pelas consequências e reflexos dos atos em análise.
Como exemplo, recentemente foram divulgadas notícias de que o governo do estado do Ceará resolveu remover os restos mortais do ex-presidente Marechal Humberto de Alencar Castello Branco do mausoléu construído em sua homenagem na cidade de Fortaleza.
Alegam os decisores que a figura histórica do militar não condiz com os preceitos democráticos a serem professados pela sociedade cearense nos dias atuais.
O local será reconstruído ou remodelado para homenagear abolicionistas daquela província. Sem sombra de dúvidas, os que lutaram para a emancipação dos escravos no Brasil império merecem igualmente claras homenagens.
Todavia, muito cuidado senhores e senhoras idealizadores do desagravo! Ressignificar intempestivamente a homenagem e o local é tentar mudar a história, reescrevendo-a com tintas contemporâneas não certificadas e de baixa qualidade.
No futuro, quando um Jasão e um Eliseu – codinomes dos personagens do romance de Benítez se debruçarem com rigor científico sobre a obra de Castello Branco identificarão com equilíbrio muitos acertos e alguns desvios daquele período.
Uma fotografia agora ainda não capturará nuances importantes deste passado recente. Aquela história já foi modificada e ainda se modificará por longos anos até que a poeira das emoções descanse no solo da sensatez.
O ato de remoção do panteão de Castello se configura uma polêmica rasteira que não condiz com espírito de tolerância que se espera de vencedores equilibrados de disputas políticas e eleitorais em ambiente democrático.
Como defendia Voltaire, “não faz para o outro aquilo que não gostarias que fizessem a ti”.
Os idealizadores da mudança, por se enquadrarem na mesma linha ideológica de Marx, Engels, Lenin e Stalin, devem saber que a história quando verdadeira pode tardar, mas um dia vem a público em todos seus detalhes.
A ordem de apagar Trotsky das fotos não diminuiu a influência daquele pensador na construção da União Soviética.
O holodomor, fome imposta aos ucranianos na década de 1930, não foi esquecido pelos descendentes dos famélicos assassinados em nome da construção do comunismo mundial.
As atrocidades cometidas nos gulags, tão bem descritas por Alexander Soljenítsyn, não se justificavam aos condenados pela normalização das masmorras alcunhando-as de campos de educação e trabalho.
Já se foram dois séculos e meio desde que Voltaire, ao concluir o Tratado da Tolerância, obra escrita para defender a imagem de Jean Calas, um protestante acusado injustamente de assassinar seu filho, exortou seus seguidores a entenderem que a tolerância era um pedido que a humanidade apresentava, muito humildemente, ao poder e à prudência.
Hoje, como parte da mesma humanidade que somos, é hora de reforçarmos o pedido por tolerância aos extremados, enquanto fazemos dessa tolerância a nova parteira da história que deve buscar tão somente a verdade sem viés.