Atitudes bíblicas
DOM GENIVAL SARAIVA
Ao encontrar-se com os cardeais da Cúria Romana, às vésperas da celebração do Natal do Senhor, o Papa Francisco identificou três verbos – escutar, discernir, caminhar –, nas atitudes de personagens que fazem parte da história da salvação, com suas respectivas vocação e missão. Com efeito, essas pessoas sempre agiram com atitudes bíblicas, portanto, com retidão em seus sentimentos, em suas palavras, em suas ações. Lidas as palavras do Papa, cabe a todas as pessoas que vivem o sacerdócio batismal, os que exercem o ministério ordenado, assimilar o seu ensinamento e, viver, sua condição, vocação e missão, com atitudes bíblicas de serviço, a exemplo “de alguns dos principais personagens do Santo Natal” – Maria, João Batista e os Magos. “Caríssimos precisamos de escutar o anúncio do Deus que vem, discernir os sinais da sua presença e decidir-nos pela sua Palavra caminhando atrás d’ele. Escutar, discernir, caminhar: três verbos para o nosso itinerário de fé e para o serviço que realizamos aqui na Cúria. Gostaria de volos entregar através de alguns dos principais personagens do Santo Natal. Em primeiro lugar, Maria, que nos sugere o escutar. A jovem de Nazaré, que estreita nos braços Aquele que veio abraçar o mundo, é a Virgem da escuta porque deu ouvidos ao anúncio do Anjo e abriu o coração ao projeto de Deus. Ela lembra-nos o primeiro grande mandamento que é ‘escuta, Israel’ (Dt 6, 4), pois importante, antes de todo e qualquer preceito, é entrar em relação com Deus, acolhendo o dom do seu amor que vem ao nosso encontro. Com efeito, escutar é um verbo bíblico que não diz respeito apenas ao ouvido, mas requer o envolvimento do coração e consequentemente da própria vida. [...] Tal é a escuta da Virgem
Maria, que recebe o anúncio do Anjo com abertura, abertura total, e por isso mesmo não esconde o turbamento e os interrogativos que aquele suscita n’ela; mas envolve-se com grande disponibilidade na relação com Deus que A escolheu, acolhendo o seu projeto. Maria compreende que é destinatária de um dom inestimável e, ‘de joelhos’, isto é, com humildade e maravilha, coloca-se à escuta. [...] Às vezes, na própria comunicação entre nós, corremos o risco de ser como lobos vorazes: procuramos de imediato devorar as palavras do outro, sem verdadeiramente as escutar, e logo lhe atiramos à cara as nossas impressões e os nossos juízos. A verdade é que, para se escutar, há necessidade não só de silêncio interior, mas também de um espaço de silêncio entre a escuta e a resposta. Não é um jogo de ping-pong. Primeiro ouve-se, em seguida no silêncio acolhe-se, reflete-se, interpreta-se, e só depois podemos dar uma resposta. Tudo isto se aprende na oração, porque esta alarga o coração, faz descer do pedestal o nosso egocentrismo, educanos para a escuta do outro e gera em nós o silêncio da contemplação. Aprendemos a contemplação na oração, estando de joelhos diante do Senhor; e não apenas com os pés, mas estar de joelhos com o coração! [...] Antes dos nossos deveres quotidianos e das nossas atividades, antes das funções que desempenhamos, é preciso descobrir o valor das relações e procurar despojálas dos formalismos, animá-las de espírito evangélico, começando por nos escutarmos uns aos outros... Escutemo-nos mais, sem preconceitos, com abertura e sinceridade; com o coração de joelhos. [...] Requer-se todo este trabalho para se compreender bem o outro. Repito: escutar é diferente de ouvir. Quando caminhamos pelas ruas das nossas cidades, podemos ouvir muitas vozes e ruídos, mas geralmente não os escutamos nem interiorizamos, pelo que não permanecem dentro de nós. Uma coisa é pura e simplesmente ouvir, outra é pôr-se à escuta, o que significa também ‘acolher intimamente’. “
Em sua palavra, o Papa encontra o dom do discernimento em João Batista. “Primeiro, Nossa Senhora que escuta, agora João que discerne. Conhecemos a grandeza deste profeta, a austeridade e a veemência da sua pregação. Contudo, quando Jesus chega e inicia o seu ministério, João passa por uma dramática crise de fé; tinha anunciado a vinda iminente do Senhor como a de um Deus poderoso, que haveria de julgar os pecadores, lançando ao fogo toda a árvore que não desse fruto e queimando a palha num fogo inextinguível (cf. Mt 3, 1012). Mas uma tal imagem do Messias esboroouse à vista dos gestos, palavras e estilo de Jesus, perante a compaixão e a misericórdia que Ele demonstra para com todos. Então o Batista sente que deve fazer discernimento para receber olhos novos. De fato, diz o Evangelho: ‘João, que estava no cárcere, tendo ouvido falar das obras de Cristo, enviou-lhe os seus discípulos com esta pergunta: ‘És Tu Aquele que há de vir, ou devemos esperar outro?’’ (Mt 11, 2-3). Em suma, Jesus não era como ele O esperava e por isso o próprio Precursor deve converter-se à novidade do Reino, deve ter a humildade e a coragem de fazer discernimento. [...] Precisamos de praticar o discernimento espiritual, perscrutar a vontade de Deus, questionar as moções interiores do nosso coração para, depois, avaliar as decisões a tomar e as escolhas a fazer.”
Enfim, o Papa Francisco se reporta à atitude bíblica de caminhar, por ser inerente à vocação e à missão dos discípulos de Jesus. “Escutar: Maria. Discernir: o Batista. E agora a terceira palavra: caminhar. Os Magos, que nos lembram a importância de caminhar.