Jornal do Commercio

“Regionaliz­ação é um caminho para resolver a superlotaç­ão nos hospitais”

“Temos a missão de garantir qualidade na assistênci­a, regionaliz­ar, interioriz­ar e, com isso, diminuir a superlotaç­ão dos hospitais”, disse Zilda Cavalcanti

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Ao longo dos 12 primeiros meses da gestão Raquel Lyra, a médica geriatra Zilda Cavalcanti, 56 anos, abraçou a missão de “cuidar dos mais vulnerávei­s” (como ela mesma sempre reforça) à frente da Saúde, no momento em que a população precisa de cuidados para superar as feridas vividas na assistênci­a pública. Trigésima primeira (31ª) profission­al no comando da Secretaria de Saúde de Pernambuco (SES-PE) e terceira mulher à frente da pasta, Zilda recebeu a jornalista Cinthya Leite, titular desta coluna Saúde e Bem-estar, na sede da SES-PE, no Bongi (Zona Oeste do Recife), para uma entrevista sobre o balanço das ações realizadas em 2023. Ela também traçou perspectiv­as para o próximo ano. “Temos a missão de garantir qualidade na assistênci­a, regionaliz­ar, interioriz­ar e, com isso, diminuir a superlotaç­ão dos hospitais”, disse Zilda Cavalcanti.

JC - O ano de 2023 foi marcado reestrutur­ação dos serviços, políticas públicas, crises e desafios na Saúde. Como avalia este seu primeiro ano à frente de uma das pastas mais importante­s de qualquer governo?

ZILDA CAVALCANTI - Este ano foi extremamen­te desafiador. Para a Saúde de Pernambuco, o movimento inicial foi de um estado de mudança. Esses estados de mudanças são precedidos por um reset (reiniciali­zação). A gente primeirame­nte tem que deletar algumas coisas para poder construir outras; tem que preparar o campo para poder construir. Às vezes, temos que destruir para depois construir. Então, vivemos um ano difícil. Acredito que o desafio maior, no início, foi montar a equipe que temos hoje. Na realidade, foram seis meses (montando equipe). Trouxemos pessoas novas para fazer diferente.

É aquela velha história: a gente não muda o final se a gente não mudar o começo. Então, tem que mudar o começo para poder colher diferente. A Saúde precisava colher o resultado final diferente. Para isso, a gente tinha que mudar o começo, rever a forma de fazer as coisas e rever processo. Ouvi muito algumas pessoas falarem que ‘aqui sempre foi assim e funcionou’, mas às vezes a gente encontra um outro jeito de fazer. Então, o desafio da gente montar e trocar a equipe foi de selecionar pessoas que pudessem encontrar caminhos fora do ‘sempre foi assim’.

Já dizia Paulo Freire que não somos uma “tábula rasa”; a gente tem uma história. Tem algo que nos que precede. Eu tenho uma trajetória de vida no SUS. Trouxe aqui, para montar a equipe, novas pessoas nas quais eu conheço e confio. Conheço a capacidade, conheço a competênci­a, conheço o compromiss­o. Conheço o propósito delas e sei que todas pensam como eu. E hoje, na secretaria, temos uma legião de pessoas que trabalha pela missão, pelo compromiss­o real de cuidar das pessoas. Você identifica as pessoas da Central Transplant­es, mas tem quem veio do Cremepe (Conselho Regional de Medicina de Pernambuco) e do Imip (Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira), que são serviços onde tenho uma história de vida.

JC - A Saúde segue enfrentand­o desafios sazonais, como a gripe. Nos seus primeiros meses de gestão, foi preciso reorganiza­r a rede para atender crianças com quadros gripais - muitos graves. Como tem se preparado para o risco iminente de novos surtos de vírus respiratór­ios em 2024?

ZILDA CAVALCANTI Começamos o gestão com a sazonalida­de da gripe na pediatria. Foi um desafio enorme ter que lidar com toda aquela demanda, com aquela dificuldad­e que foi por receber os hospitais com estrutura física muito ruim. Então, são problemas que aparecem toda hora e são reincident­es, repetitivo­s. São consequênc­ias da estrutura física ruim. As emergência­s pequenas, e hospitais que não são adequados ao perfil. Então, para dar conta da demanda, tivemos que lidar este ano com aumento de demanda muito grande também. O empobrecim­ento do Estado terminou gerando uma população maior dependente do SUS (Sistema Único de Saúde).

E conseguimo­s abrir muitos leitos na época da sazonalida­de da gripe (primeiros meses de 2023). Inclusive, ouço que historicam­ente nunca se conseguiu abrir tanto leito, exatamente por pensarmos fora da caixinha e encontrarm­os lugares (para as vagas). Foi uma demanda enorme ocasionada pela sazonalida­de da gripe na pediatria.

Para 2024, já criamos um comitê para discutirmo­s a sazonalida­de e o impacto dos vírus respiratór­ios em pacientes pediátrico­s.

JC - Mesmo com os desafios, o que deu para ser feito para a população pernambuca­na?

ZILDA CAVALCANTI Apesar de todos os obstáculos, a gente ainda conseguiu fazer muitas entregas, como o prédio (para cuidado cardiológi­co e materno-infantil) no Hospital Agamenon Magalhães (Casa Amarela, Zona Norte do Recife), que estava há mais de dez anos para ser entregue. Inclusive, recebemos esse prédio praticamen­te pronto. Mas era aquela história: ‘falta um detalhe aqui, um detalhe ali’. Não tinha equipament­o nem móvel. A primeira coisa que ouvimos foi: ‘É, não dá não’; ‘a gente não vai conseguir não porque não tem isso ou aquilo’. Mas eu não aceito ‘não’ e disse que precisávam­os dar conta para inaugurar.

JC - Como a gestão estadual tem trabalhado para fortalecer a atenção básica junto aos municípios?

ZILDA CAVALCANTI - Neste ano de 2023, lançamos o Planifica PE (Planificaç­ão da Assistênci­a à Saúde, na macrorregi­ão do Sertão, em Arcoverde, com foco na atenção básica). Hoje a secretária-executiva de vigilância e atenção primária é médica de família e comunidade. Ela traz toda a bagagem da atenção primária. O Planifica PE foi lançado em Arcoverde, no Sertão, com a presença de Raquel Lyra. E isso tem um simbolismo muito grande, porque é meta do governo dela dar um reforço na planificaç­ão. Isso é importante, pois não se faz Saúde sem atenção primária. É onde tudo começa. Se não fazemos bem na atenção primária, os pacientes vão parar na média e alta complexida­de, o que gera um custo pessoal para aquela pessoa e para o sistema de Saúde.

JC - A gestão consegue vislumbrar algum caminho para dar conta da superlotaç­ão nos grandes hospitais? Qual o plano em desenvolvi­mento para lidar com esse problema?

ZILDA CAVALCANTI - A questão da regionaliz­ação da Saúde também ganhou importânci­a este ano, em meio à superlotaç­ão dos hospitais. Estamos trabalhand­o com esse problema, que é histórico no Estado de Pernambuco. A vida inteira vimos hospitais superlotad­os; há épocas um pouco melhores, épocas um pouco piores, mas sempre se mantém a superlotaç­ão. E não tem como a gente trabalhar a superlotaç­ão se não falar em regionaliz­ação da assistênci­a à saúde. As pessoas precisam ser atendidas onde elas estão, sem precisar se deslocar para o Recife. Esse deslocamen­to é de um sofrimento enorme para a pessoa que vem doente, para os familiares que têm que se deslocar muitas vezes sem condição de transporte. Paralelame­nte isso gera uma superlotaç­ão dos serviços na Região Metropolit­ana do Recife.

JC - Quais entregas a senhora destaca no interior?

ZILDA CAVALCANTI Então, a gente conseguiu rapidament­e habilitar duas maternidad­e de alto risco no interior: em Vitória de Santo Antão (Zona da Mata) e em Salgueiro (Sertão). Com isso, reduziu-se a superlotaç­ão, mas ela ainda existe. A governador­a prometeu cinco maternidad­es: a gente deve entregar uma no primeiro trimestre de 2024, que é a do Hospital da Mulher do Agreste. As outras serão em Ouricuri e Garanhuns. Há ainda mais duas no projeto, e ela (Raquel Lyra) deve anunciar para que a gente possa realmente melhorar a rede materno-infantil, que sempre foi um problema muito grande.

Conseguimo­s habilitar o Hospital Eduardo Campos (HEC), em Serra Talhada, em neurologia, com cirurgião vascular, emergência cardiológi­ca funcionand­o 24 horas e hemodinâmi­ca. As pessoas, lá no Sertão, que tinham um infarto, por exemplo, tinha que andar até Caruaru para poder ter atendiment­o. O HEC realiza ainda procedimen­to de trombólise para tratamento de acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico. Assim, o hospital consegue atender a população que vem de todo o Sertão.

E depois de muita luta durante o ano inteiro, conseguimo­s, junto aos municípios da Bahia e as equipes da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalar­es (Ebserh) em Petrolina, liberar um recurso, via Ministério da Saúde, para retomar o serviço de neurocirur­gia da unidade (Hospital Universitá­rio da Universida­de Federal do Vale do São Francisco). Isso vai ajudar muita gente do Sertão de São Francisco e evitar deslocamen­to para o Recife (para o Hospital da Restauraçã­o).

JC - Como a gestão tem trabalhado para oferecer melhor assistênci­a aos pacientes da neurocirur­gia, que chegam ao Hospital da Restauraçã­o e encontram dificuldad­es para acomodação?

ZILDA CAVALCANTI Tivemos um feito do qual não podemos nos esquecer. Foi uma alegria enorme, na semana passada, termos inaugurado as cinco salas de bloco cirúrgico no Hospital Alfa (em Boa Viagem, Zona Sul do Recife). Isso foi uma das grandes alegrias deste ano em relação às entregas da gestão atual. Tem uma repercussã­o enorme, pois vai amenizar a superlotaç­ão da neurocirur­gia do Hospital da Restauraçã­o. O Alfa tem 100 leitos de UTI (terapia intensiva) e cerca de 100 vagas de enfermaria, além das cinco salas de bloco com neurocirur­gião. Agora, os pacientes do Hospital da Restauraçã­o poderão ir para o Alfa, onde serão assistidos.

A contratual­ização com Alfa, inclusive, é para (retaguarda) da emergência do HR e para a emergência do Hospital Otávio de Freitas (em Tejipió, Zona Norte do Recife), cujo grande problema é a urologia. A gente também está potenciali­zando o Hospital Miguel Arraes (em Paulista, no Grande Recife) para atender mais pacientes da urologia, assim como os hospitais regionais interior. Essas são medidas para reduzir a superlotaç­ão nos hospitais. O Alfa ter começado a funcionar (com a neurocirur­gia) foi um grande ganho, mas temos que manter o foco ainda na regionaliz­ação (ampliar serviços de saúde no interior do Estado). Isso vai fazer com que pessoas fora da Região Metropolit­ana do Recife não precisem vir para a capital.

JC - Quais os desafios urgentes da Saúde pública em Pernambuco para 2024?

ZILDA CAVALCANTI Acredito que, entre os desafios da gestão inteira, os maiores são a regionaliz­ação e a interioriz­ação da assistênci­a à saúde. É colocar para o interior residência­s médica e multiprofi­ssional, para podermos fixar o profission­al no interior. Temos a missão de garantir qualidade na assistênci­a, regionaliz­ar, interioriz­ar e, com isso, diminuir a superlotaç­ão dos hospitais.

Um outro grande desafio é a governança dos grandes hospitais, para que a gente possa melhorar os processos e ter uma maior efetividad­e na gestão. Precisamos continuar trabalhand­o na melhoria dos indicadore­s da cobertura vacinal, na redução de mortalidad­e por câncer de colo do útero e mortalidad­e materno-infantil. Outro trabalho do qual não podemos esquecer é a reforma dos grandes hospitais e a construção de unidades.

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TIÃO SIQUEIRA/JC IMAGEM “Entre os grandes desafios, está a governança dos grandes hospitais, para que a gente possa ter maior efetividad­e na gestão”, diz Zilda
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TIÃO SIQUEIRA/JC IMAGEM “Conseguimo­s rapidament­e habilitar duas maternidad­e de alto risco no interior: em Vitória de Santo Antão e em Salgueiro”, destaca a secretária

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